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Resumo final da Berlinale 2024 com destaque de filmes – outro olhar

Por Thaís Vidal

A Berlinale acabou no último domingo e destaco prêmios para o Brasil: melhor direção na sessão Encounters para Juliana Rojas por Cidade; Campo, prêmio da crítica, Fipresci para Dormir de Olhos abertos, de Nele Wohlatz, coprodução brasileira filmada no Recife; além de prêmios interessantes no cenário político global como o Urso de Ouro da diretora franco-senegalesa Mati Diop por Dahomey e o prêmio de melhor documentário para o filme palestino No other land, de Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, coletivo de ativistas palestino-israelense. Nesse contexto, a premiação foi também marcada por diversos posicionamentos políticos significativos, com falas de diretores premiados em defesa dos palestinos e contra o genocídio que se opera na região, algo bastante discutido e acirrado em todo o contexto do Festival no ano de 2024. 

Entrando neste terreno das representatividades, a programação trouxe alguns filmes interessantes para se destacar, pensando em outras visões, outras culturas e outras histórias. Destaco alguns aqui que me chegaram como experiências de cinema mas também como experiências de reflexão política social, que vejo como algo fundamental no cinema. 

O longa Keyke mahboobe man (My favourite cake), filme iraniano que esteve na competitiva, se destaca por trazer uma história singela e simples, de amor, mas que carrega muito sobre o país, sua política, suas limitações e a realidade que o seu povo vive. Essa reflexão vai da própria temática do filme: uma mulher viúva que vive sozinha conhece um taxista e decide secretamente convidá-lo para ir à sua casa, mas vai sobretudo dos detalhes e da narrativa que se desdobra desastrosa. A partir de uma primeiro feito contra a lei, quando ela convida um homem para ir em sua casa, se inicia uma sequência de situações de contravenção baseadas na alegria que vivem por uma noite esses dois personagens. No simples, no delicado, no interno, os diretores Maryam Moghaddam & Behtash Sanaeeha refletem sobre o controle social e moral do estado, evidenciado sobretudo pelo fato de que ambos não foram permitidos sair do país para apresentar seu filme na Berlinale, que deixou, na première, duas cadeiras reservadas com seus nomes, porém vazias. 

Ainda nesse sentido, explorando a construção do singelo, do sensível e do pessoal como lugar e forma para uma gigante potência de reflexão política, o filme senegalês Demba, que esteve na Encounters, dirigido por Mamadou Dia, conta a história de um servidor público de uma pequena cidade que se vê enlouquecido e adoecido pelo desaparecimento/morte de sua mulher. É também uma história de amor, dele pela mulher e entre pai e filho. Demba, o protagonista, é aposentado pelo estado e precisa lidar com todos os vazios possíveis, mas mesmo com a ajuda de seu filho que o apoia com dedicação, ele vai caminhando para sua morte. Através de um cenário, uma forma, uma estrutura e uma imagem decolonial conhecemos um pouco da cultura, da religiosidade e da realidade do Senegal, enquanto vamos com Demba vivendo esse conflito interno e emocional construído de forma bastante cuidadosa. O trabalho de montagem é algo destacável nesse filme, as idas e vindas que interrompem o tempo, que constroem o tempo do interno. Também se destaca o trabalho sonoro, que nos permite sair e entrar em diferentes pontos de vista narrativos também a partir dessa ferramenta. No filme, vamos com o Demba e vemos o Demba em diferentes momentos, acompanhamos seu sofrimento, mas também sentimos com ele. É um filme bonito e humano, uma experiência outra de cinema. 

Continuando no cinema africano contemporâneo, destaco outro filme, este do Congo, que traz, a partir de uma forma mais tradicional de documentário, explorando uma linguagem participativa, assistimos de dentro a realidade de uma cidade que não possui energia elétrica, está alagada e sofre em condições de pobreza. O olhar que nos apresenta é o do congolês Nelson Makengo, com seu primeiro longa, que estrou na mostra Panorama. O filme vai caminhando entre personagens e histórias, a comunidade enquanto grupo protagoniza, por vezes pode ser confuso, mas apresenta a realidade de seu país, com nuances que vão desde o poder europeu por dar ou não energia elétrica àquele lugar, quanto por trazer à tona a força religiosa cristã, algo que me fez pensar muito no Brasil. Porém com o viés do poder da figura de Jesus e do catolicismo bastante sincrético, que é constante no filme, como saída e caminho para sobrevivência na extrema pobreza que o filme recorta, apresenta e nos insere. O filme nos faz pensar sobre a colonialdiade de forma direta, a partir de um devir e de toda uma complexidade, onde a força da cristianização na figura de Jesus (que na realidade não condiz com sua imagem europeia difundida pelo cristianismo) se mescla com toda a cultura africana que é forte e resistente. 

Ambos os filmes nos provocam filosoficamente a pensar sobre poder, sobre os espaços globais de poder, sobre a colonialidade e sobre as forças que operam em nós em algum sentido de entendimento de mundo, em diversas sociedades.  

O que pode um player do chamado sul global

Foto: O júri com a realizadora que ganhou o prêmio Teddy de melhor curta-metragem (à esquerda, com o troféu) / Divulgação

por Luís Fernando Moura

Na cerimônia de encerramento do TEDDY Awards, na última sexta-feira, o júri TEDDY, de que fiz parte ao lado de mais 4 pessoas de diferentes continentes, decidiu unanimemente redigir e ler uma manifestação para denunciar a situação na Palestina, em Gaza, e questionar a posição das instituições no Ocidente e na Alemanha. Durante as entrevistas que demos no palco ao longo da cerimônia, um dos meus colegas chegou a comentar que as políticas globais têm muito a aprender com o histórico das políticas queer e seus sentidos abrangentes de liberação.

Eu, por outro lado, lembrei na cerimônia que um aprendizado “queer” no interior da indústria de cinema pode contribuir para mover também a indústria mesma, primeiro do ponto de vista artístico, político: interrogar as noções de global e local, as expectativas de olhares estrangeiros, as convicções sobre valores de produção. E então do ponto de vista econômico, desenvolvo aqui: podemos atuar dentro de plataformas europeias como a Berlinale através de pequenos gestos, de sinalização e troca, e doravante, tomados os vínculos que estabelecemos no mercado ou no festival, de movimentos coletivos que possam constituir redes transversais e se dirigir à sustentabilidade de um ecossistema ampliado, no qual nos correspondamos mais do que dependamos.

Em texto para este mesmo CCBA, minha colega Thaís Vidal, que atuou no European Film Market este ano, lembrou que, como players do sul no global, precisamos aprender a lidar com um ambiente, afinal, localizado, a Europa, que em vários sentidos dita a escala dos caminhos globais dos mercados do cinema independente, muitas vezes determinando as condições em que se espelham as possibilidades de criação. Creio que a participação de profissionais do sul em espaços como a Berlinale é substantiva não apenas para que saibamos como trilhar no mercado internacional, mas para que progressivamente possamos torná-lo mais saudável: ou seja, para que possamos instituir, pouco a pouco, novas zonas de equilíbrio econômico e simbólico.

Poderíamos, da Berlinale em direção ao futuro, ampliar as plataformas no sul através de pactos intrarregionais e transcontinentais alternativos, paralelos e correspondentes, no sentido de que não dependamos de territórios específicos para que fazer filmes seja sustentável. Podemos ver o que ocorreu em territórios como Índia, Argentina, Coreia do Sul, com políticas específicas, e além – o que se passa em acordos como Mercosul, ou Mercosul/União Europeia, CPLP, Brics: será oportuno, como comunidade produtora de cinema, que ensinemos ao Estado e às instâncias de convivência colaborativa entre Estados e regiões o que é necessário e possível para que o cinema que desejamos seja viabilizado como atividade expressiva e econômica, tendo em vista a possibilidade de fazer filmes como manifestação artística e a garantia de ambientes de circulação plurais, de aprendizados mútuos e para outras geografias.

Conexão Recife – Berlinale 2023

CCBA marca presença no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale)

Por Marina Mahmood

Hoje inicia a 73º edição de um dos festivais audiovisuais mais importantes do mundo: Entre os dias 16 e 26 de fevereiro, na cidade de Berlim (Alemanha), acontece o Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale).

O festival alemão foi criado em 1978 e, desde então, ocorre anualmente no mês de fevereiro trazendo produções audiovisuais de destaque global. Os filmes exibidos durante o evento concorrem a diversos prêmios, como o Urso de Ouro (Goldener Bär) e o Urso de Prata (Silberner Bär).

A novidade este ano é que o CCBA está enviando a produtora de cinema e sua ex-aluna, Thaís Vidal, para representar o centro no festival. Em Dezembro de 2022, durante debate no Kulturforum no CCBA, Thaís levantou a importância de firmar parcerias internacionais para ampliar o mercado artístico local em Recife (PE) e no Brasil, expandindo formas de captação de recursos pela realização de cooperações e coproduções internacionais.

>> Confira a matéria sobre o Kulturforum na íntegra: http://www.ccba.org.br/kulturforum-promove-debate-sobre-cooperacao-cultural-e-politicas-publicas-na-arte/

Com a ida à Berlim, a ideia é que Thaís consiga sondar possibilidades de cooperações internacionais no campo audiovisual entre Brasil e Alemanha. A viagem seria um pontapé inicial para abrir canais de comunicação entre os festivais de cinema alemães e a produção cinematográfica recifense, firmando possíveis parcerias, como por exemplo, o intercâmbio de filmes e de realizadores audiovisuais da Alemanha para o Brasil.

Além de Thaís Vidal, o CCBA apoiou a ida de Lorenna Rocha (pesquisadora, crítica cultural e curadora) à Berlinale. Este ano, Lorenna foi selecionada para o Berlinale Talents – programa de desenvolvimento de talentos do Festival Internacional de Cinema de Berlim (https://www.berlinale-talents.de ).

Dentro do programa, a pesquisadora vai participar de uma formação de crítica cinematográfica junto com pessoas de todo o mundo. A ideia da formação é que os participantes desenvolvam a escrita através das aulas e que realizem uma cobertura crítica do festival publicando textos no site: https://www.talentpress.org/

Recentemente, um dos festivais que Lorenna participou enquanto curadora foi o Janela Internacional de Cinema do Recife. Com o apoio oferecido à Lorenna, o CCBA espera contribuir também com a curadoria da programação do Janela Internacional deste ano (2023).

Confira o site da Berlinale: https://www.berlinale.de/en/home.html

Saiba Mais: https://www.goethe.de/prj/hum/pt/deu/ber/24523813.html

BIOGRAFIA

Thaís Vidal

Thaís Vidal (Recife, 1990) é roteirista, produtora e diretora, Mestre em Roteiro audiovisual (2021) pela Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, Cuba. Graduada em Jornalismo (2012) pela UFPE e também Mestre em Planejamento Urbano (2017), cursa atualmente Doutorado em Cinema (2020-2024) pela mesma instituição. Em 2014, lançou seu primeiro curta como roteirista e diretora, o documentário Fora da Ordem. Em 2015, fundou a Ponte Produtoras, empresa focada na produção de longas e curtas-metragens de ficção e documentário de jovens realizadoras e realizadores. Produziu filmes exibidos em grandes festivais como Semana da Crítica de Cannes, Locarno Film Festival, La Havana, Festival de Brasília, Festival do Rio, dentre muitos outros, alguns lançados comercialmente. Seu primeiro roteiro de longa, Sensor de Ausência, está em desenvolvimento, na fase de captação de recursos e conta com coprodução da Vitrine Filmes, tendo sido escrito no mestrado em Cuba e assessorado por grandes nomes da EICTV. Thaís faz parte da Rede Paradiso de Talentos. Em 2022, realizou curadoria para o concurso FRAPA de roteiros de longa e colaborou na escrita do roteiro do próximo longa do diretor Marcelo Lordello.

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https://www.instagram.com/vidal.a.thais/

Lorenna Rocha

Historiadora (UFPE), pesquisadora, crítica cultural e programadora. Co-fundadora da INDETERMINAÇÕES https://indeterminacoes.com/ – plataforma de crítica e cinema negro brasileiro (PE/MG). Editora-chefe da camarescura – estudos de cinema e audiovisual (PE). Integrou a curadoria da edição especial do Janela Internacional de Cinema do Recife (2022) e das duas últimas edições do FestCurtas BH (2021, 2022). Desde 2019, ministra cursos e oficinas acerca dos cinemas e teatros negros brasileiros e da crítica.

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Diretor da Berlinale preocupado com rumos do cinema no Brasil (DW)

Novo diretor do Festival Internacional de Berlim, Carlo Chatrian falou à DW sobre a presença brasileira no evento e a situação do audiovisual no país. “Estamos muito preocupados”, afirmou o italiano, que convidou o cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho para integrar o júri da Berlinale 2020: “Achamos importante mandar um sinal para a indústria internacional de que nos importamos com o cinema brasileiro”.

O Brasil alcança neste ano seu maior número de filmes escolhidos para uma edição da Berlinale. Serão 19 obras (produções e coproduções) participando das diferentes mostras que compõem a programação e o longa-metragem Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, concorre ao Urso de Ouro. 

“Temos uma grande diversidade. É a melhor resposta para quem diz que o cinema brasileiro não está vivo, e não deve ser financiado”, avalia o diretor do festival.

Confira a entrevista completa de Carlo Chatrian para a DW.

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Filme brasileiro Todos os Mortos concorre ao principal prêmio da Berlinale 2020

O longa-metragem Todos os Mortos, de Marco Dutra e Caetano Gotardo, conta histórias de mulheres que viviam na São Paulo de 1899 e 1900. Esse drama é uma das 19 produções brasileiras que participam da Berlinale 2020, exibidas nas diferentes mostras que compõem o evento, de 20 de fevereiro até 1º de Março. A Assinatura da Lei Áurea (1888) e a Proclamação da República Brasileira (1889) eram acontecimentos recentes no período retratado no filme Todos os Mortos.

“Escolhemos aqueles dois anos porque neles identificamos, mesmo com toda a transformação da época, estruturas que infelizmente permanecem até hoje. Falar sobre a herança da escravidão permite abordar temas como desigualdade social, o trabalho, a presença do negro na cultura e na sociedade”, afirmou Marco Dutra para o crítico Luiz Carlos Merten, do jornal O Estado de São Paulo. 

Na sinopse do filme, os cineastas comentam que “os fantasmas do passado ainda caminhavam entre os vivos”. “As mulheres da família Soares, antigas proprietárias de terra, tentam se agarrar ao que resta de seus privilégios. Para Iná Nascimento, que viveu muito tempo escravizada, a luta para reunir seus entes queridos em um mundo hostil a conduz a um questionamento de suas próprias vontades. Entre o passado conturbado do Brasil e seu presente fraturado, essas mulheres tentam construir um futuro próprio”, dizem eles no texto sobre a obra. 

“Estamos muito satisfeitos com o trabalho, e curiosos para ver como será recebido, no País e fora, nesse momento em que o olhar internacional está tão voltado para o Brasil”, completa Marco Dutra na mesma entrevista ao Estadão (confira o texto na íntegra). 

O cinema brasileiro tem mesmo se destacado no Festival de Cinema de Berlim. Há alguns anos, outro drama situado relacionado a um momento marcante da história do Brasil, Joaquim, do pernambucano Marcelo Gomes, sobre Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), também concorreu ao Urso de Ouro. Mas é preciso lembrar que este olhar para a história presente nos filmes em questão tem sido acompanhado de reflexões contemporâneas sobre os rumos do País. 

SAIBA MAIS

 Aproveitando as notícias sobre a Berlinale 2020, a jornalista Juliana Domingos de Lima escreveu sobre a importância da internacionalização para o cinema nacional em texto publicado no portal Nexo. “Em edições recentes, o país tem ficado atrás, em número absoluto de títulos selecionados, apenas da Alemanha, anfitriã do evento (em que há mostras específicas para o cinema alemão), e de França e Estados Unidos, conhecidos por suas indústrias cinematográficas pujantes”, contabiliza (confira o texto na íntegra).

Para informações sobre cursos de alemão, certificados oficiais, intercâmbio e projetos nos quais o CCBA está envolvido, visite o nosso site ou entre em contato pelo (81) 3421-2173.


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