A Berlinale acabou no último domingo e destaco prêmios para o Brasil: melhor direção na sessão Encounters para Juliana Rojas por Cidade; Campo, prêmio da crítica, Fipresci para Dormir de Olhos abertos, de Nele Wohlatz, coprodução brasileira filmada no Recife; além de prêmios interessantes no cenário político global como o Urso de Ouro da diretora franco-senegalesa Mati Diop por Dahomey e o prêmio de melhor documentário para o filme palestino No other land, de Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, coletivo de ativistas palestino-israelense. Nesse contexto, a premiação foi também marcada por diversos posicionamentos políticos significativos, com falas de diretores premiados em defesa dos palestinos e contra o genocídio que se opera na região, algo bastante discutido e acirrado em todo o contexto do Festival no ano de 2024.
Entrando neste terreno das representatividades, a programação trouxe alguns filmes interessantes para se destacar, pensando em outras visões, outras culturas e outras histórias. Destaco alguns aqui que me chegaram como experiências de cinema mas também como experiências de reflexão política social, que vejo como algo fundamental no cinema.
O longa Keyke mahboobe man (My favourite cake), filme iraniano que esteve na competitiva, se destaca por trazer uma história singela e simples, de amor, mas que carrega muito sobre o país, sua política, suas limitações e a realidade que o seu povo vive. Essa reflexão vai da própria temática do filme: uma mulher viúva que vive sozinha conhece um taxista e decide secretamente convidá-lo para ir à sua casa, mas vai sobretudo dos detalhes e da narrativa que se desdobra desastrosa. A partir de uma primeiro feito contra a lei, quando ela convida um homem para ir em sua casa, se inicia uma sequência de situações de contravenção baseadas na alegria que vivem por uma noite esses dois personagens. No simples, no delicado, no interno, os diretores Maryam Moghaddam & Behtash Sanaeeha refletem sobre o controle social e moral do estado, evidenciado sobretudo pelo fato de que ambos não foram permitidos sair do país para apresentar seu filme na Berlinale, que deixou, na première, duas cadeiras reservadas com seus nomes, porém vazias.
Ainda nesse sentido, explorando a construção do singelo, do sensível e do pessoal como lugar e forma para uma gigante potência de reflexão política, o filme senegalês Demba, que esteve na Encounters, dirigido por Mamadou Dia, conta a história de um servidor público de uma pequena cidade que se vê enlouquecido e adoecido pelo desaparecimento/morte de sua mulher. É também uma história de amor, dele pela mulher e entre pai e filho. Demba, o protagonista, é aposentado pelo estado e precisa lidar com todos os vazios possíveis, mas mesmo com a ajuda de seu filho que o apoia com dedicação, ele vai caminhando para sua morte. Através de um cenário, uma forma, uma estrutura e uma imagem decolonial conhecemos um pouco da cultura, da religiosidade e da realidade do Senegal, enquanto vamos com Demba vivendo esse conflito interno e emocional construído de forma bastante cuidadosa. O trabalho de montagem é algo destacável nesse filme, as idas e vindas que interrompem o tempo, que constroem o tempo do interno. Também se destaca o trabalho sonoro, que nos permite sair e entrar em diferentes pontos de vista narrativos também a partir dessa ferramenta. No filme, vamos com o Demba e vemos o Demba em diferentes momentos, acompanhamos seu sofrimento, mas também sentimos com ele. É um filme bonito e humano, uma experiência outra de cinema.
Continuando no cinema africano contemporâneo, destaco outro filme, este do Congo, que traz, a partir de uma forma mais tradicional de documentário, explorando uma linguagem participativa, assistimos de dentro a realidade de uma cidade que não possui energia elétrica, está alagada e sofre em condições de pobreza. O olhar que nos apresenta é o do congolês Nelson Makengo, com seu primeiro longa, que estrou na mostra Panorama. O filme vai caminhando entre personagens e histórias, a comunidade enquanto grupo protagoniza, por vezes pode ser confuso, mas apresenta a realidade de seu país, com nuances que vão desde o poder europeu por dar ou não energia elétrica àquele lugar, quanto por trazer à tona a força religiosa cristã, algo que me fez pensar muito no Brasil. Porém com o viés do poder da figura de Jesus e do catolicismo bastante sincrético, que é constante no filme, como saída e caminho para sobrevivência na extrema pobreza que o filme recorta, apresenta e nos insere. O filme nos faz pensar sobre a colonialdiade de forma direta, a partir de um devir e de toda uma complexidade, onde a força da cristianização na figura de Jesus (que na realidade não condiz com sua imagem europeia difundida pelo cristianismo) se mescla com toda a cultura africana que é forte e resistente.
Ambos os filmes nos provocam filosoficamente a pensar sobre poder, sobre os espaços globais de poder, sobre a colonialidade e sobre as forças que operam em nós em algum sentido de entendimento de mundo, em diversas sociedades.
Foto: O júri com a realizadora que ganhou o prêmio Teddy de melhor curta-metragem (à esquerda, com o troféu) / Divulgação
por Luís Fernando Moura
Na cerimônia de encerramento do TEDDY Awards, na última sexta-feira, o júri TEDDY, de que fiz parte ao lado de mais 4 pessoas de diferentes continentes, decidiu unanimemente redigir e ler uma manifestação para denunciar a situação na Palestina, em Gaza, e questionar a posição das instituições no Ocidente e na Alemanha. Durante as entrevistas que demos no palco ao longo da cerimônia, um dos meus colegas chegou a comentar que as políticas globais têm muito a aprender com o histórico das políticas queer e seus sentidos abrangentes de liberação.
Eu, por outro lado, lembrei na cerimônia que um aprendizado “queer” no interior da indústria de cinema pode contribuir para mover também a indústria mesma, primeiro do ponto de vista artístico, político: interrogar as noções de global e local, as expectativas de olhares estrangeiros, as convicções sobre valores de produção. E então do ponto de vista econômico, desenvolvo aqui: podemos atuar dentro de plataformas europeias como a Berlinale através de pequenos gestos, de sinalização e troca, e doravante, tomados os vínculos que estabelecemos no mercado ou no festival, de movimentos coletivos que possam constituir redes transversais e se dirigir à sustentabilidade de um ecossistema ampliado, no qual nos correspondamos mais do que dependamos.
Em texto para este mesmo CCBA, minha colega Thaís Vidal, que atuou no European Film Market este ano, lembrou que, como players do sul no global, precisamos aprender a lidar com um ambiente, afinal, localizado, a Europa, que em vários sentidos dita a escala dos caminhos globais dos mercados do cinema independente, muitas vezes determinando as condições em que se espelham as possibilidades de criação. Creio que a participação de profissionais do sul em espaços como a Berlinale é substantiva não apenas para que saibamos como trilhar no mercado internacional, mas para que progressivamente possamos torná-lo mais saudável: ou seja, para que possamos instituir, pouco a pouco, novas zonas de equilíbrio econômico e simbólico.
Poderíamos, da Berlinale em direção ao futuro, ampliar as plataformas no sul através de pactos intrarregionais e transcontinentais alternativos, paralelos e correspondentes, no sentido de que não dependamos de territórios específicos para que fazer filmes seja sustentável. Podemos ver o que ocorreu em territórios como Índia, Argentina, Coreia do Sul, com políticas específicas, e além – o que se passa em acordos como Mercosul, ou Mercosul/União Europeia, CPLP, Brics: será oportuno, como comunidade produtora de cinema, que ensinemos ao Estado e às instâncias de convivência colaborativa entre Estados e regiões o que é necessário e possível para que o cinema que desejamos seja viabilizado como atividade expressiva e econômica, tendo em vista a possibilidade de fazer filmes como manifestação artística e a garantia de ambientes de circulação plurais, de aprendizados mútuos e para outras geografias.
Produzir e financiar um filme no Brasil atualmente é algo possível e ainda mais agora com a mudança de gestão federal – que mudou radicalmente a situação que foi vivida nos últimos anos na cultura – e a retomada dos fundos nacionais para o cinema. Mas então fica a questão: por quê coproduzir com outros países?
A primeira resposta é muito simples: internacionalização do projeto, entrada internacional antes mesmo dele ser filmado, o que pode possibilitar janelas de exibição e venda para o seu filme, tanto no território latino americano, quanto no europeu, americano, asiático, africano.
Vivemos em um mundo bastante eurocêntrico e com o cinema não é diferente então é preciso entender esse mercado sem deixar a essência do seu projeto. Ainda existe uma necessidade do exótico muito forte sobre o cinema latino, africano, não europeu, e como quem dita o mercado independente é a Europa, precisamos entender como acessar esses espaços como o EFM sem deixar nossas identidades, nossos cinemas.
Um dos fundos mais importantes da Alemanha o WCF – World Cinema Fund organiza dentro da programação da Berlinale o World Cinema Fund Day, onde realiza diversas mesas de debate durante o dia discutindo não apenas o fundo mas as estratégias e a difusão para mais territórios. Esse ano, destaco uma mesa específica sobre Cinema Africano, na qual trouxeram o recorte desse continente na atuação do fundo e também uma mesa sobre coprodução minoritária.
Durante os dias de EFM, entre 15 e 22 de fevereiro, circulam no espaço produtores, agentes de vendas, distribuidores e diversos profissionais do mundo todo e é realmente difícil participar sem uma estratégia. O mais importante em um ambiente como o EFM é entender com quem se fala e o quê se fala. Buscar produtores de seu mesmo patamar de capacidade produtiva, almejando relações mais concretas e efetivas é o primeiro ponto. Também entender por que escolher determinado país e não outro, determinada empresa e não outra e eleger cada projeto seu para cada interlocutor.
A coprodução vai te trazer exigência burocráticas e legais significativas então ela precisa ser muito bem discutida e acordada entre as partes visando o melhor para o filme.
Foto em destaque: Jurados do TEDDY e programadores da Berlinale 2024.
Luís Fernando Moura
Estou na Berlinale em 2024 convidado para participar do júri da 38a edição dos TEDDY Awards, viajando com apoio da Embaixada do Brasil em Berlim/Instituto Guimarães Rosa e apoio complementar do CCBA. Acho sempre importante destacar esses apoios pois eles revelam o papel ativo das instituições de Estado e de intercâmbio cultural na colaboração indireta para a promoção da participação brasileira em plataformas de impacto global, e isso é para mim um dos detalhes mais preciosos na minha vinda ao festival esse ano. Entendo que venho pela via das políticas de cultura e diplomacia, ligadas ao desenvolvimento econômico e simbólico do ponto de vida não de players da indústria, mas do desenvolvimento humano.
Foto: Luís Fernando Moura / divulgação
É nesse lugar que busco construir uma contribuição para o TEDDY, considerado o júri “queer” mais importante globalmente, ou seja, um júri que atua na vinculação entre cinema e temáticas LGBTQIAPN+. É realmente um trabalho de criação ativa de um ponto de vista transcontinental sobre os filmes, leve-se em conta, para ilustrar e mostrar, que é neste ano composto por profissionais de cinema de lugares tão distantes no mapa como Brasil (meu caso), Paquistão, Dinamarca, El Salvador/Chipre e Nova Zelândia/Austrália.
São também profissionais que atuam em distintas áreas: pesquisa, curadoria e programação (como é meu caso), mas também atuação, ativismo e realização. São colegas de júri de trajetórias e origens muito distintas se dedicando afinal a filmes também de muito variadas formas de cinema, já que este é um júri que se debruça sobre uma seleção de filmes transversal a todas as seções da Berlinale: do cinema mais propriamente considerado experimental ao cinema de ficção mais convencional, estamos vendo, lado a lado, filmes que vêm de universos por vezes radicalmente diferentes: geográficos, simbólicos, econômicos, políticos.
A questão que se mantém, dia a dia, é um território em comum que possa dirigir um ponto de vista, no campo da ideia de “queerness”, em tempos de horror do ponto de vista das políticas globais, e de tensões que mostram os limites das instituições como mediadoras da proteção à vida humana ou do freio à limpeza étnica pela ação ocidental mesma, embora muitas vezes o cinema independente busque ocupar esse lugar de expiação, e tantas vezes venha a nos trazer algum conforto que em dias como esses se torna insustentável. Estamos cercados por contradições de todos os níveis, e é necessário enfrentá-las.
Enquanto a Berlinale se construiu como plataforma global para uma discussão política sobre o cinema – feita, claro, aos modos de uma grande indústria radicada na Europa Central, com todas as implicações que daí advêm, e que revelam também sua natureza “local” –, ao TEDDY se reserva um espaço de atuação com marcas da independência que é de sua natureza. Embora seja buscado na indústria e esteja no coração da Berlinale, é também um projeto cujo sentido político (e econômico) foi construído transversalmente, ligado aos movimentos de sexodissidência e dissidência de gênero que emergiram nos centros de Berlim e que se instalaram na engrenagem da Berlinale.
Na noite de sexta (16), o júri foi apresentado numa recepção pública, podendo se introduzir à comunidade por trás da história do próprio TEDDY, a profissionais de cinema e a pessoas em Berlim que vêm atentas, de perto, entender a feição do júri ano a ano. Acredito que tenha sido um primeiro passo para a percepção da pluralidade que se põe no horizonte, dos desafios em comum e de um primeiro movimento de caminhada em direção uns aos outros com as suas diferenças, em meios às suas diferenças e, se pudermos fazer um bom trabalho, também em direção às diferenças e o que elas venham a poder produzir de significativo no âmbito institucional em suas tantas dimensões. Sabemos que em 2024 há muito para se disputar.
O Berlinale Talents chegou na metade e, apesar de estar cansado com o ritmo intenso das atividades, estou muito satisfeito com as experiências que estou trocando por aqui. Além dos talks com diretores, produtores e montadores de cinema, talvez a experiência mais engrandecedora da qual tenho participado seja a do Editors Studio. Nessa atividade, estou com mais 10 editores do mundo inteiro com atividades mediadas por três tutoras, sendo uma delas indicada ao Oscar de montagem. Tem sido a oportunidade perfeita para compartilhar questões sensíveis do trabalho da montagem de um filme e como os colegas pensam a estética e o estilo dos seus trabalhos. Nos últimos dois dias, cada um dos participantes teve a oportunidade de fazer uma apresentação de 10 minutos para os colegas. Temas como marketing, montagem de animação, meios alternativos e pouco convencionais de pensar a edição de um filme e até como evitar o burnout no trabalho foram abordados. Uma excelente oportunidade de entender que as ansiedades e alegrias da profissão não têm fronteiras linguísticas ou físicas.
Entre os dias 15 e 25 de fevereiro, a cidade de Berlim, na Alemanha, recebe um dos festivais audiovisuais mais importantes do mundo. A 74ª edição da Berlinale conta com a presença significativa de obras brasileiras e alemãs, assim como com a participação de profissionais do audiovisual pernambucano.
A cidade de Berlim, na Alemanha, recebe anualmente no mês de fevereiro o Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale), trata-se de um dos festivais audiovisuais mais relevantes do mundo. Sua 74ª edição irá acontecer entre os dias 15 e 25 de fevereiro e conta com uma programação extensa, desde exibições de filmes a atividades de formações, debates, palestras, mercados audiovisuais, etc.
A Berlinale vai muito além do “glamour” de um grande evento cinematográfico, pois é conhecida por ser um dos mais políticos dos grandes festivais de cinema, apresentando em sua programação filmes, palestras e debates que incitam reflexões sobre as problemáticas do mundo contemporâneo. Nesta edição, o festival traz temáticas como a guerra na Ucrânia, através da exibição do documentário “Turn in the Wound” (de Abel Ferrara). A obra conta sobre a vida no país desde o início da guerra e ainda há a possibilidade do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyj participar da exibição com uma mensagem de vídeo, de acordo com um porta-voz da Berlinale.
Recentemente, a direção do festival “desconvidou” políticos da AfD (partido político que representa a extrema-direita na Alemanha e que vem ganhando força, sobretudo nos estados do leste do país, onde haverá eleições para os governos estaduais neste ano). A decisão do festival em “desconvidar” os membros da AfD para a abertura do evento cinematográfico se dá porque o partido vem tomando posições antidemocráticas e radicais. Eles haviam sido inicialmente convidados para a Berlinale por razões institucionais, como deputados eleitos, etc.
“Hoje, portanto, desconvidamos por escrito todos os políticos da AfD anteriormente convidados e informamos-lhes que não são bem-vindos na Berlinale”, disse a dupla de empresários Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian, segundo um comunicado. (Fonte: ZEIT ONLINE, dpa, dar, 08/02/2024)
Neste ano, 20 filmes concorrem ao Urso de Ouro (prêmio mais importante do festival, entregue para a melhor obra do ano), entre eles, dois projetos de diretores alemães: In Liebe, Eure Hilde (Com amor, sua Hilde), dirigido por Andreas Dresen e Sterben (Morrendo), de Matthias Glasner. In Liebe, Eure Hilde (Com amor, sua Hilde) é uma homenagem à Hilde Coppi (Liv Lisa Fries), membro da resistência ao nazismo, executada em Berlim em 1943. E Sterben (Morrendo) é um drama familiar “sobre a intensidade da vida diante da impertinência da morte”, segundo a distribuidora.
Foto: Lorenna Rocha
A programação do festival também conta com a exibição de obras brasileiras: na mostra PANORAMA, será exibido o filme “Betânia”, de Marcelo Botta, na mostra FÓRUM, será exibido o filme “Quebrante”da realizadora Janaína Wagner, na mostra GERAÇÃO, estará competindo o curta “Lapso” da realizadora Carolina Cavalcanti, na mostra ENCONTROS, haverá a exibição de “Cidade; Campo” de Juliana Rojas. Ainda na mostra ENCONTROS, será exibida a co-produção e localização brasileira, “Dormir de Olhos Abertos”, da diretora alemã Nele Wohlatz, sobre uma cidade costeira do Brasil. Outra co-produção brasileira no festival é a obra “Shikun”, de Amos Gitai, com Irène Jacob (no Berlinale Special), que tem a produção brasileira da Ventre Studio.
Com o intuito de estimular a internacionalização da produção audiovisual pernambucana, de fortalecer a rede audiovisual local e de interagir com a Berlinale, o Centro Cultural Brasil Alemanha (CCBA) vem concedendo apoios desde os anos 90 para que jornalistas, cineastas, curadores e produtores pernambucanos possam estar presentes no festival. O foco inicial dos apoios estava para críticos de cinema, como Kleber Mendonça, Luciana Veras e Ernesto Barros, que cobriram a Berlinale publicando as suas matérias no Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco e na Revista Continente. Em seguida, foram apoiados curadores e produtores de cinema em Pernambuco como Luis Fernando Moura, Thaís Vidal e Lorenna Rocha que, além de aproveitar o Festival para as suas atividades profissionais ou para a organização do Festival Janela, sempre postaram informações e impressões neste site da Conexão Berlinale.
Nesta edição do festival, o CCBA está apoiando parcialmente a produtora audiovisual Thaís Vidal, o curador Luís Fernando Moura e o cineasta Matheus Farias. Para os profissionais do audiovisual, estar na Berlinale é uma oportunidade única para criar e fortalecer a rede de contatos de trabalho internacionais, firmar possibilidades de coprodução e parcerias, fazer formações e assistir palestras com profissionais renomados, ver o que está sendo produzido mundialmente, além de mostrar o que está sendo produzido localmente em Pernambuco e no Brasil.
BERLINALE TALENTS – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DE TALENTOS DA BERLINALE
Mateus Farias (diretor, roteirista, produtor e montador audiovisual) foi um dos 202 selecionados, dentre quase 4.000 mil inscritos do mundo inteiro, para o Berlinale Talents (programa de desenvolvimento de talentos do festival). Matheus comenta sobre o programa:
“ Um evento que acontece durante o Festival de Berlim que reúne os profissionais mais proeminentes de diversas áreas do cinema da atualidade. São 6 dias de atividades que envolvem palestras, workshops, mesas redondas e muita troca de experiência com profissionais da indústria. Na semana passada, também fui convidado para fazer parte da programação para compartilhar minha experiência como montador do filme Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho”, diz Matheus.
“ Estou bastante feliz e ansioso pela experiência de encontrar com os demais talentos e compartilhar as experiências que fui colecionando ao longo dos últimos anos. O ambiente do Talents é muito propício para a criação de parcerias e aprendizados únicos com pessoas do mundo inteiro. Espero sair de lá atravessado pelas experiências e inspirado para seguir criando e desenvolvendo novas ideias. A importância do Talents é inegável. São poucas vagas, é super concorrido e é uma oportunidade única de ouvir de perto pessoas como Martin Scorcese e Lupita Nyongo.”, complementa o cineasta Matheus Farias.
TEDDY AWARDS – PRÊMIO DE CINEMA CONCEDIDO A FILMES COM TEMÁTICA LGBTQIAPN+
Luís Fernando Moura, coordenador da plataforma FUGA, programador do FENDA — Festival Experimental de Artes Fílmicas e consultor da Janela Internacional de Cinema do Recife, está participando do festival pela 5ª vez. Com o apoio do CCBA, nos anos de 2016, 2017 e 2020, Luís foi à Berlinale como delegado do Janela Internacional de Cinema do Recife. No ano de 2021, participou do programa Berlinale Talents. E nesta edição, Luís fará parte do júri do Teddy Awards (prêmio de cinema oferecido a filmes exibidos na Berlinale com temática LGBTQIAPN+).
“A Berlinale é um lugar para criar diálogos e conexões que se revertam nas nossas próprias redes. Através de internacionalização, inspiração para formatos, é um convite que se converte em ativações locais. E isso está em meu radar, 100 por cento, é uma coisa que me entusiasma muito. Nessa ida, eu estou com o apoio do CCBA e com o apoio majoritário da embaixada alemã em Berlim, com o Instituto Guimarães Rosa, em Berlim, que cobriu os custos das minhas passagens”, diz Luís.
“ O Teddy Awards é um prêmio que tem a história mais longa entre os prêmios queer e há muita coisa em torno disso… É um espaço que se fez fundamental na afirmação de uma prática de cinema ligada às experiências de dissidência sexual e de gênero, o que muitas vezes podem nos levar a uma abordagem dissidente também do cinema enquanto linguagem: é quando tudo se torna mais interessante. Posso pensar particularmente numa pesquisa que me interessa em torno do termo “cuir”, uma corruptela do termo queer, das teorias queer, que surge na América Latina. Penso, especialmente, em discussões no Chile com artistas e pensadores como Felipe Rivas San Martín, Katia Sepúlveda ou Hija de Perra, para quem a experiência das dissidências mobiliza tudo aquilo que constitui as identidades, individuais e coletivas, para pensar outra relação com a história. E aí, eu entendo que quando a gente olha para os filmes, em particular pensando em um olhar do Sul, de onde olhamos, creio que haja algo que podemos ensinar a respeito de um pensamento sobre as imagens, um pensamento sobre cinema, a partir desses pontos de vista e de experiência”, diz Luís.
“O Teddy encarna aquilo que mais tem me interessado, que é a atuação independente em diálogo com instituições, em diálogo transversal com essas instituições, sejam elas do estado, instituições consulares, instituições de desenvolvimento econômico. É um projeto que é independente e que, ao mesmo tempo, está no coração da Berlinale, que se cria a partir de uma coletividade histórica em Berlim. Entendo que a gente vai fazendo nosso papel enquanto agentes culturais onde quer que a gente esteja, então é muito inspirador estar ali no Teddy, pensando numa atuação nas redes no Brasil, na América Latina e no Recife, em particular. Pensando nessa busca por apoios, por parcerias, em mirar outros projetos independentes, mirar outras relações com instituições, pensar como se dá a capitalização de projetos, a sustentabilidade de ações que podem mover as ideias, mover as coletividades, as comunidades, as instituições”, complementa Luís.
“Particularmente, este ano, há o meu projeto FUGA, que iniciei na pandemia e que está ganhando outras formas, tem novo site, o cetrofuga.org. É um projeto dedicado ao intercâmbio inter-regional e intercontinental de filmes. O que quer dizer que ele não é simplesmente internacional, mas busca pensar em outros circuitos de filmes, por exemplo sul – sul. Pensar região não só localmente no Brasil, mas região dentro do continente, tentar estabelecer relações entre agentes, entre criadores, entre artistas e produtores que estão em lugares que às vezes não estão cartografados, ou seja, mapeados dentro do próprio circuito. Sinto que Recife é um lugar maravilhoso para fazer isso, um lugar vocacionado para se ativar outras redes, pensando na centralidade do Recife numa descentralização do pensamento cinematográfico e artístico no Brasil. Entendo que o Recife é um lugar para ativar essas redes transversais, que tenham formas livres, muitas vezes dissidentes, como se propõe o Teddy a mapear essa busca por criações queer. Tenho isso em mente comigo a todo instante. Na Berlinale, busco também essa captação de correspondências e parcerias, pensando o projeto FUGA, pensando o Recife e o que se pode ativar através dessas ferramentas e dessa geografia”, diz Luís.
“ Em relação à importância, sendo um brasileiro no júri do Teddy, de algum modo eu acabado levando ao Teddy um olhar implicado por isso. Compreendo que é um prêmio particularmente visível para a indústria, hoje uma grande indústria audiovisual em torno do cinema LGBTQIAPN+, que impacta também os cinemas vizinhos e de modo geral também as dicussões em torno das artes e das experiências queer. Essa seleção cria fortunas e referências. Costuma ser uma seleção com algumas apostas muito interessantes, e me sinto honrado de poder participar disso através de uma atuação que se deu no Brasil e no Recife ao lado de muitos parceiros, amigos e redes. Isso passa pela minha atuação durante anos na Janela Internacional de Cinema do Recife, cuja programação coordenei entre 2015 e 2022 e da qual fui consultor artístico na última edição, por festivais como o FENDA em Belo Horizonte, do qual sou programador, e de modo geral pela construção coletiva que vimos fazendo em tantas escalas na circulação de cinema e no pensamento sobre cinema no Brasil”, complementa Luís.
EFM MARKET – EUROPEAN FILM MARKET
Thaís Vidal (roteirista, produtora e diretora recifense) vai para a Berlinale pela segunda vez e comenta suas expectativas em torno da participação no festival e no EFM Market (área de mercado na programação do festival).
“Estou na expectativa de ver muitos filmes e também estou participando do EFM Market. O objetivo é conectar com produtores, potenciais coprodutores, reativar contatos anteriores (fui à Berlinale no ano passado, fui à CANNE, fui ao Festival de San Sebastián), essa conexão vai se estendendo para possibilidades de fortalecimento dessa rede. Eu ainda não fechei nenhum negócio, mas com certeza abri bem mais o espectro de conhecimento na área de mercado internacional. E eu entendo que é isso, sendo devagar o processo. Entender o que está sendo feito, o que está sendo visto, o que está sendo procurado, quem produz o que, acho que é entender o cenário para ver como a gente pode se encaixar nesse cenário. Então, acho de extrema importância a participação em eventos grandes do cinema mundial, como a Berlinale e o ambiente de mercado”, diz Thaís Vidal.
Curador, designer de audiência e pesquisador com formação em jornalismo e trajetória na discussão e na difusão de filmes. Coordenador da plataforma fuga, programador do FENDA – Festival Experimental de Artes Fílmicas e consultor da Janela Internacional de Cinema do Recife. Realizou com parceiros a retrospectiva L.A. Rebellion (2017-2019), a mostra Brasil Distópico (2017) e a mostra CUIR — FILM Y EXPERIMENTO — LATINOAMÉRICA (2021), entre outras. Desenvolvedor da plataforma fuga, dedicada ao intercâmbio intercontinental de filmes. Foi programador do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte e do forumdoc.bh – Festival do Filme Documentário e Etnográfico. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais. Participante do programa Berlinale Talents, no Market Studio para designers de audiência, em 2021, e do Locarno Industry Academy – Chile em 2023.
Thaís Vidal (1990) é roteirista, produtora e diretora recifense. Mestre em Roteiro (2021) pela EICTV, Cuba e Doutoranda em Cinema pela UFPE, atualmente realizando doutorado sanduíche na Universidade de Valência e como pesquisadora convidada na Universidade Sorbonne. Sócia da Ponte Produtoras, já exibiu filmes que produziu em importantes festivais como Semana da Crítica de Cannes, Locarno Film Festival, La Havana, Festival de Brasília e Festival do Rio. O último lançamento que produziu foi o longa Rio Doce (2023), com direção de Fellipe Fernandes. Atualmente, desenvolve Sensor de Ausência, seu primeiro longa de ficção, produzido pela Vitrine Filmes. Em 2022, colaborou com o roteiro do longa-metragem Edificante, de Marcelo Lordello, filmado em 2023. Nos anos de 2022 e 2023 foi curadora do Prêmio de Roteiros FRAPA, e em 2023 está finalizando o curta que roteirizou e dirigiu, O céu sobre Havana, documentário híbrido com imagens de arquivo pessoal, além da produção de dois novos longas e da co-escrita do roteiro Pitangueira com Elen Clarice e Gabi Boeri. Também em 2023 escreveu o roteiro do curta documental Alice, produzido pela Mymama Entertainment com direção de Gabriel Novis, a ser filmado em 2024.
Matheus Farias é diretor, roteirista, produtor e montador de cinema com formação em Comunicação e Estudos de Cinematográficos. Dirigiu três curtas-metragens que foram exibidos em mais de 150 festivais internacionais. Assina a montagem de diversos filmes, incluindo “Retratos Fantasmas” de Kleber Mendonça Filho (Festival de Cannes 2023), “Propriedade Privada” de Daniel Bandeira (Festival de Berlim 2023), vencedor do prêmio de Melhor Montagem no Festival do Rio em 2022 e “Seguindo Todos os Protocolos” de Fábio Leal.
17 de fevereiro de 2020 / Eugênia Bezerra / Comentários desativados em Luís Fernando Moura compartilha suas expectativas para o Festival Internacional de Cinema de Berlim
O curador e pesquisador Luís Fernando Moura é o autor dos textos que serão publicados no site da Conexão Berlinale nos próximos dias. Antes de embarcar para a terceira experiência dele no Festival Internacional de Cinema de Berlim, o pernambucano falou sobre as expectativas em relação ao evento.
Luís Fernando Moura também comentou sobre as viagens anteriores, também realizadas por uma parceria entre o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA) e o Festival Internacional Janela de Cinema do Recife, do qual ele é coordenador de programação. Características dos dois eventos fazem parte da entrevista a seguir.
EUGÊNIA BEZERRA – Poderia falar sobre sua relação com o Festival de Berlim e relembrar um pouco da experiência anterior de parceria entre o Janela com o CCBA?
LUÍS FERNANDO MOURA – É a minha terceira vez no festival, após as edições de 2016 e 2017, sempre em parceria entre o Janela e o CCBA. Dessas viagens vieram descobertas de filmes e contatos com pessoas que vêm se refletindo no Janela desde então, às vezes por meio de pontes cujos efeitos são diretos.
Em 2016, conheci 1 Berlin-Harlem, de Lothar Lambert e Wolfram Zobus, no Kino International, uma sala de cinema impressionante na Berlim Oriental. É um filme do underground alemão de 1974 que cria uma narrativa da liberdade no ambiente da Guerra Fria, e que encontrou bem a noção de desobediência que inspirou aquela edição do Janela, daí que terminamos por exibi-lo na mesma cópia em 35mm no Cine São Luiz, em parceria com a Cinemateca Alemã, certamente uma exibição inédita deste realizador anônimo no Brasil, mas de reconhecimento longevo em meio a certa cinefilia alemã interessada nas bordas e nas alternativas da histórica artística. Foi um intercâmbio incomum, eu diria.
Em 2017, Let the summer never come again, algo como um épico errante georgiano-alemão de Alexandre Koberidze, residente em Berlim, tinha estreia mundial na Semana da Crítica de Berlim, evento paralelo ao festival, e depois de ganhar o prêmio do júri no FIDMarseille teve estreia brasileira na competição de longas do Janela, onde foi recebido como descoberta feliz de um filme de amor radical e do trabalho deste diretor jovem. Koberidze veio ao Janela com apoio da German Films, agência parceira com que travamos parcerias nas visitas à Berlinale, e que apoiou, no ano anterior, a viagem dos brasileiros Melissa Dullius e Gustavo Jahn para exibir seu Muito romântico, uma ficção biográfica com matizes de ensaio e cinefilia experimental em torno da mudança dos dois para Berlim, onde moram e fazem filmes em 16mm há mais de dez anos, no âmbito da produtora Distruktur.
Foi também nesta edição que fizemos parceria com os integrantes do Rabbit Hole, coletivo europeu que veio ao Janela exibir dois programas de filmes na interseção entre o cinema, as artes visuais, a cultura da rave e a experiência queer.
A Berlinale é um mundo imenso e há ali toda forma de ideia circulando. É possível entrar em contato com inúmeras visões de cinema, linguagem e sociedade, que de alguma maneira deslocam inspirações, contrastes ou ressonâncias para o processo curatorial do Janela, e isto tem como fonte ou meio o festival mas também a própria capital alemã, com os pequenos circuitos de conversa e troca que se formam no interior e no entorno das programações oficiais.
Vale notar que o Janela tem com alguma frequência feito estreias mundiais que posteriormente ganham primeira exibição internacional na Berlinale, como é o caso de Estás vendo coisas (2016) e Terremoto santo (2017), ambos de Barbara Wagner e Benjamin de Burca, e de Jogos dirigidos (2019), de Jonathas de Andrade, que vai ser exibido este ano na mostra Forum Expanded.
EUGÊNIA BEZERRA – Que características você destacaria no Festival de Berlim?
LUÍS FERNANDO MOURA – Bom, junte-se perfis do evento e da cidade e talvez ele seja um festival com vocação para, digamos com a figura da hipérbole, abrigar virtualmente todas as características. É um festival de enorme apelo a um muito numeroso público, com dezenas de salas e centenas de filmes, às vezes com 4, 5, 6 exibições públicas cada um, fora as sessões de imprensa.
A paisagem é a de um grande centro expandido tomado por um festival, que é anunciado nos outdoors por todo lado, gera filas em pontos de venda, ocupa multiplexes e incríveis salas de rua. Um grande edifício na mesma região sedia o European Film Market, considerado o maior encontro do mercado do audiovisual no continente e que funciona como uma grande feira de negócios internacional. E há também o programa Berlinale Talents, que oferece diversos programas de formação e é talvez o mais reconhecido do mundo – tem aliás edições também anuais, mais compactas e direcionadas, no Rio e em Buenos Aires, por exemplo. Há, neste sentido, do oficial ao extra-oficial, muitos grandes festivais no interior de um mesmo enorme festival de múltiplos horizontes, que abrange muitos mercados e as mais diversas formas de atuação nesses mercados: desde a competição oficial, que inclui o pacote tapete vermelho e o Palácio Marlene Dietrich, exibindo filmes que esperam distribuição expressiva no chamado mercado alternativo internacional, até a Forum Expanded, mostra dedicada ao cinema experimental que veio nos últimos anos ocupando principalmente os cinemas do Arsenal, ligados à Cinemateca, e a Akademie der Künste, ótimas salas de cinema com ar de cineclube — e há ainda as retrospectivas, a competição de curtas, a Forum, a Panorama, a Generation e a nova seção Encounters.
São cerca de 400 filmes por ano. A eles se soma ainda a Semana da Crítica, um evento jovem, concebido pela crítica independente alemã, que tem se destacado a partir de uma postura antagônica (em sentido generoso, mas firme) ao modelo de grande festival panorâmico, e que faz ótimas sessões de uma dezena de filmes contemporâneos com debates na sequência, sob curadoria criativa, e que tem de alguma forma se integrado transversalmente ao festival (farão a estreia alemã de Sete anos em maio, filme de Affonso Uchôa eleito melhor curta brasileiro no último Janela, onde recebeu também o prêmio de aquisição do Canal Brasil) – em suma, há outros diversos pequenos eventos que se acumulam pela cidade, como a Boddinale, uma Berlinale micro, local e às vezes algo anarquista. Me parece que há aí festivais, subfestivais e contrafestivais num diálogo urbano de dimensões no mínimo plurais, e que movem também as comunidades berlinenses, seja pela adesão ou pelo tensionamento.
EUGÊNIA BEZERRA – Quais são as suas expectativas enquanto curador e pesquisador para esta edição do festival?
LUÍS FERNANDO MOURA – Estou bem curioso com as mudanças na curadoria do festival. Este é o primeiro ano de direção artística de Carlo Chatrian, egresso do Festival de Locarno, e de certa forma ele parece ter trazido algum sabor de Locarno para se juntar ao de Berlim. Note-se, por exemplo, a presença do filme de Marco Dutra e Caetano Gotardo na competição oficial. Há três anos, Marco Dutra exibiu (com Juliana Rojas) na competição do festival suíço. Aliás, é uma seleção atraente que me parece se posicionar de maneira consciente entre, digamos, hegemonia e contra-hegemonia.
Há filmes novos, por exemplo, de Tsai Ming-Liang e de (como sempre) Hong Sangsoo, mas também de Abel Ferrara e de Kelly Reichardt, Rithy Panh ou Christian Petzold. Me parece que cada um desses nomes acena para uma nota de cinefilia particular, sendo que temos ao fim um conjunto de realizadoras e realizadores instigante, mais arrojado que nos últimos anos.
A Panorama também mudou de direção, agora sob comando de Michael Stütz. Esta seção tem como perfil um espectro mais amplo do mercado de cinema, a seção mais volumosa e em geral bastante politizada no sentido mais imediato da palavra, muito diversa e que tende a buscar um contato mais direto com os públicos. Fico curioso porque Michael, ainda que seja um dos programadores da seção há muitos anos, é ex-diretor do Xpanded, ótimo festival de cinema queer berlinense, e é também um dos principais nomes à frente do Teddy, eixo LGBT da Berlinale. Tenho a sensação de que, estando à frente da Panorama, empresta a ela uma energia interessante.
Particularmente me atrai a nova seção competitiva Encounters, que traz 15 longas na chave artística da invenção e vai estrear títulos como os novos de Matías Piñero e Camilo Restrepo, também veteranos de Locarno (posso dizer que o Janela introduziu bem no Brasil o trabalho de Restrepo em curta-metragem). Essa edição será também um teste de novas apostas para celebrar os 70 anos da Berlinale. Ainda mais curiosidades: a mostra expositiva dedicada à cineasta guarani Patrícia Ferreira no interior da Forum Expanded, curada por Anna Azevedo. A programação de 50 anos da mostra Forum, que além dos filmes de 2020 vai reexibir a programação de 1971.
EUGÊNIA BEZERRA – Imagino que seja difícil escolher o que assistir com tantas opções… Existem temas ou eixos que lhe interessam mais nesta edição?
LUÍS FERNANDO MOURA – O Janela, e meu trabalho de pesquisa em geral, não é exatamente direcionado à pesquisa de um mercado específico (dito de outro modo, me interessam e interessam ao Janela tamanhos diferentes de filme, maneiras diversas de perceber e acessar o que podemos chamar, de maneira mais ampla, artes fílmicas), então como habitual vou distribuir a atenção entre diferentes seções. Tenho costumado acompanhar mais de perto a seção Forum, que trata do cinema independente com um interesse mais detido na pesquisa de formas, mas a nova seção Encounters se apresenta como outra constelação neste sentido.
Em geral me interessa até menos a competição oficial, onde os riscos são menores, e aliás a probabilidade dos filmes mais interessantes entrarem em cartaz no Brasil antes das datas do Janela é considerável, mas este ano há alguns bons filmes de interesse ali. Com isso quero dizer que também na competição oficial me parece que se investiu na exploração das relações entre crítica e poética, entre integração e dissidência, entre crise e clínica, e que fazem do cinema um bom território de questões e energias – ao menos se considerarmos os universos programados a partir de obras e circuitos pregressos. Me interessa perceber como o festival organiza essas relações dissensuais e como, em especial, os filmes as abordam e as provocam.
Claro, me interessam filmes, filmografias, diretoras e diretores específicos que trabalham na limitrofia, sejam seus programas artísticos mais ou menos convencionais, mais ou menos midiatizados, mais ou menos reconhecidos.
EUGÊNIA BEZERRA – Poderia comentar sobre como a presença em um festival internacional contribui para o trabalho de um curador? Imagino que, junto com a oportunidade de ver filmes de diversas partes do mundo, a possibilidade de conversar com artistas, curadores, críticos e o público deve ser algo enriquecedor…
LUÍS FERNANDO MOURA – Sim, é sempre uma maneira de pôr o olhar em movimento, de criar afinidades, de renovar e colocar em crise, no bom sentido, as percepções sobre as diferentes escalas de circulação e sobre os universos de criação.
EUGÊNIA BEZERRA– Falando especificamente sobre a sua experiência com o Janela, consegue identificar algum ponto em que a ida a Berlim teria contribuído para o seu trabalho, para seu olhar sobre o festival recifense ?
LUÍS FERNANDO MOURA – A Berlinale é um festival que, obviamente, opera numa escala muito diferente da do Janela. Dito isso, os tantos festivais no interior da Berlinale, em particular as tantas seções, que são cada uma um festival, cada uma concebida sob certos critérios, buscas e desejos particulares, expõem também princípios próprios, inclinações políticas e um raciocínio próprios, uma cerimônia própria diante das ideias de organizar, exibir e apresentar filmes.
Para além de um ou outro filme, estas impressões em torno do ofício de curadoria são inevitavelmente apreendidas e levadas para o nosso exercício particular no Janela, um modelo de pôr filmes juntos que sinto que é muito nosso no festival, e que tem a ver com trabalhar numa escala pequena mas que seja capaz de articular tanto uma riqueza de modos e caminhos quanto propostas de desvio e pergunta, e que têm no horizonte tanto um diapasão global, atento aos intercâmbios, quanto à percepção do Recife, do público recifense, e do circuito e dos debates brasileiros, que nos movem localmente e como comunidade no interior de um estado e de um país.
Os festivais são pertinentes, no sentido de que eles só fazem sentido em certo espaço-tempo que é particular a eles, cada um deles, e nessa relação entre o próprio e o outro está a capacidade de uma curadoria mover ideias e experiências, que se espraiam pelas coletividades.
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30 de janeiro de 2020 / Eugênia Bezerra / Comentários desativados em Filme brasileiro Todos os Mortos concorre ao principal prêmio da Berlinale 2020
O longa-metragem Todos os Mortos, de Marco Dutra e Caetano Gotardo, conta histórias de mulheres que viviam na São Paulo de 1899 e 1900. Esse drama é uma das 19 produções brasileiras que participam da Berlinale 2020, exibidas nas diferentes mostras que compõem o evento, de 20 de fevereiro até 1º de Março. A Assinatura da Lei Áurea (1888) e a Proclamação da República Brasileira (1889) eram acontecimentos recentes no período retratado no filme Todos os Mortos.
“Escolhemos aqueles dois anos porque neles identificamos, mesmo com toda a transformação da época, estruturas que infelizmente permanecem até hoje. Falar sobre a herança da escravidão permite abordar temas como desigualdade social, o trabalho, a presença do negro na cultura e na sociedade”, afirmou Marco Dutra para o crítico Luiz Carlos Merten, do jornal O Estado de São Paulo.
Na sinopse do filme, os cineastas comentam que “os fantasmas do passado ainda caminhavam entre os vivos”. “As mulheres da família Soares, antigas proprietárias de terra, tentam se agarrar ao que resta de seus privilégios. Para Iná Nascimento, que viveu muito tempo escravizada, a luta para reunir seus entes queridos em um mundo hostil a conduz a um questionamento de suas próprias vontades. Entre o passado conturbado do Brasil e seu presente fraturado, essas mulheres tentam construir um futuro próprio”, dizem eles no texto sobre a obra.
“Estamos muito satisfeitos com o trabalho, e curiosos para ver como será recebido, no País e fora, nesse momento em que o olhar internacional está tão voltado para o Brasil”, completa Marco Dutra na mesma entrevista ao Estadão (confira o texto na íntegra).
O cinema brasileiro tem mesmo se destacado no Festival de Cinema de Berlim. Há alguns anos, outro drama situado relacionado a um momento marcante da história do Brasil, Joaquim, do pernambucano Marcelo Gomes, sobre Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), também concorreu ao Urso de Ouro. Mas é preciso lembrar que este olhar para a história presente nos filmes em questão tem sido acompanhado de reflexões contemporâneas sobre os rumos do País.
SAIBA MAIS
Aproveitando as notícias sobre a Berlinale 2020, a jornalista Juliana Domingos de Lima escreveu sobre a importância da internacionalização para o cinema nacional em texto publicado no portal Nexo. “Em edições recentes, o país tem ficado atrás, em número absoluto de títulos selecionados, apenas da Alemanha, anfitriã do evento (em que há mostras específicas para o cinema alemão), e de França e Estados Unidos, conhecidos por suas indústrias cinematográficas pujantes”, contabiliza (confira o texto na íntegra).
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