Categoria: Berlinale 2023

73ª Berlinale: um balanço pessoal dos dias passados por lá

Por Thaís Vidal

A Berlinale é historicamente um festival bastante político e os filmes exibidos apresentam, se não posicionamentos diretos, reflexões políticas importantes. Um aspecto bastante destacado nessa edição foi a posição contrária à guerra na Ucrânia.  Além de todos os profissionais de produção usarem um bótom com o urso de outro, símbolo maior do Festival e da cidade de Berlim, com as cores amarela azul, houve falas e pronunciamentos em oposição à situação em algumas sessões do Festival.

Entre os dias 16 e 26 de fevereiro, centenas de sessões em cinemas espalhados por toda a cidade e maravilhosamente ocupadas por cidadãos berlinenses, além dos diversos profissionais que lotam a cidade no período do Festival. Ao público alemão, me parece, interessa-lhes fortemente o que outros países, dos mais diversos, estão produzindo no cinema e isso é fascinante.

Muitos dos filmes exibidos, sobretudo nas sessões de Curtas, Fórum e Panorama,  trouxeram mulheres diretoras, o que nos destaca uma força de transformação no cenário internacional. Dos filmes brasileiros, metade foram dirigidos ou co-dirigidos por mulheres, destacando Infantaria, curta premiado pela Mostra Generation, dirigido pela alagoana Laís Santos Araújo.

Destaco também, dentro da programação, um ponto de congruência que observei na produção: filmes voltados à construção de protagonistas femininas consistentes e seus conflitos. São histórias diversas mas que refletem sentimentos, angústias, vidas e problemas do universo das mulheres, meninas em suas diversas gerações e identidades em formação. Alguns deles foram o português Cidade Habat, de Susana Nobre, o espanhol Mátria, de Álvaro Gago. O longa português Mal Viver, de João Canijo. Os curtas brasileiros Miçangas e Infantaria.

Ainda nesse universo feminista, destaco, trazendo outros pontos relevantes, os filmes 20.000 espécies de abelhas, espanhol, de Estibaliz Urresola Solaguren, que acabou por garantir a Sofía Otero o prêmio de melhor atriz trazendo uma espécie de coming of age de une menine transgênero no recorte de sua infância. E o filme And me, I’m dancing too, do iraniano Mohammad Valizadegan, que traz uma protagonista com o único desejo de poder dançar em um país onde as mulheres são impedidas de fazê-lo.

Ainda observando filmes como atos políticos posicionados, como o citado curta iraniano, no qual, ao colocar a própria atriz dançando na rua, os realizadores demarcam uma denúncia concreta e bastante arriscada contra seu estado, cito o documentário Llamadas desde Moscú, do cubano Luís Alejandro Yero, que apresenta imigrantes cubanos gays vivendo na Rússia aos primeiros sinais da guerra contra a Ucrânia e a relação opressora do espaço e da falta de identidade que enfrentam por terem saído de Cuba, pelas necessidades de fugir de seu país, em crise.

Por fim, um outro documentário que conecta a força de uma personagem feminina dentro de um contexto passível de questões quanto à figura da mulher como cuidadora, o documentário La memoria eterna, de Maite Alberdi, documentário chileno emocionante que acompanha a importante atriz chilena Paulina Urrutia e seu marido o jornalista Augusto Góngora, a quem ela cuida já idoso e com Alzheimer.

O filme constrói a partir da ausência de memória dele, a própria memória do homem que ele foi, um jornalista que serviu a seu país como comunicador e crítico à ditadura de Pinochet e que escreveu e refletiu sobre memória, conflitos e justiça. Apesar de acompanharmos a memória dele ser construída através dela num ato de completo amor e cuidado, é inegável a força da personagem da vida real que decide cuidar.

Esses são alguns destaques a partir de um pequeno recorte da programação mas que me possibilitaram inferir sobre um certo olhar, um panorama das sessões e seus aspectos.

A Berlinale é um grande festival e espero em breve voltar pra lá!

Diaba, uma aparição misteriosa

por Lorenna Rocha

Foto: José Medeiros

Exibido no ‘Forum Special’, A Rainha Diaba recebe novos olhares após ser escaneado em 4K.

“Acho que esta é a última festa que faço aqui”, diz Diaba, usando sua coroa e vários colares, com uma sombra verde que realça a tristeza em seu olhar. No entanto, o que ela não imaginava, nem provavelmente o diretor Antonio Carlos da Fontoura, é que 50 anos após seu lançamento, A Rainha Diaba (1973) estaria festejando pelo mundo, com uma nova cópia escaneada e a vitalidade típica de um filme anárquico, cativando público contemporâneo com sua estética kitsch, sua performatividade excessiva, cômica e brilhante, além de seu impressionante banho de sangue digno de uma história cheia de truques e traições.

De dentro de seu quarto, Diaba (Milton Gonçalves) dirige um negócio de tráfico de maconha na periferia do Rio de Janeiro. Sua primeira aparição é regida pelo suspense. Um grupo de homens está esperando para visitá-la até que possam entrar onde a Rainha está. A câmera atravessa o salão da casa de Diaba, onde podemos ver os rostos de todos os seus convidados, mas ainda não podemos vê-la. A expectativa deles é também a dos espectadores. Finalmente, um corpo preto aparece na tela, raspando sua perna com um canivete. É com essa primeira imagem que A Rainha Diaba constrói sua personagem principal, uma mistura entre violência, feminilidade e mistério.

Em A Rainha Diaba, há dois momentos intrigantes de coletividade, que são conduzidos por Milton Gonçalves: o primeiro, quando as ‘discípulas da Diaba’, durante a festa em que ela aparece triste, se colocam ao lado da Rainha para descobrir quem estaria “atrapalhando seu coreto”; Já a segunda é durante a cena de tortura de Isa (Odete Lara), uma personagem que é arrastada por um grupo de pessoas não-binárias e travestis para um salão de beleza e acaba traindo seu amante, Bereco (Stephan Necessian), que está mexendo na maconha da Diaba depois dela ter sido enganada por Robertinho (Edgar Rugel Aranha), um ex-sócio de confiança da Rainha, que quer tomar o lugar da Diaba no tráfico.

O corpo de Milton Gonçalves é uma presença insubmissa e inescapável, que usa a violência para romper os imaginários convencionais de criminalidade associados ao corpo negro. Além disso, a performatividade do corpo da personagem Diaba provoca, ainda, uma quebra na idéia de criminalidade exclusivamente dominada pelos homens. O corpo negro ganha ambivalência em sua dissidência de gênero, seu excesso performativo e a extensão de seu corpo, que se dá através da coletividade que envolve essa figura.

Mesmo que nem sempre seja vista por nós, objetos de cena, roupas e cores brilhantes se espalham pelo filme, fazendo de Diaba uma presença onipresente. O roxo, laranja ou vermelho dos trajes de seus parceiros de crime irradiam tanta vitalidade quanto a energia emanada pela Rainha. Todos os envolvidos nesta história a mencionam, seja por adoração ou com a intenção de ocupar seu lugar no trono. Esta figura onipresente nos convida a senti-la sem necessariamente vê-la.

Observações: este texto foi escrito e publicado em inglês, no blog Talent Press. Para conferir, clique neste link: https://www.talentpress.org/bt/talentpress/v/diaba-a-mysterious-apparition

O filme “A Rainha Diaba” está disponível para visualização na íntegra no Youtube.

European Film Market (EFM) 2023

Por Thaís Vidal

Entre os dias 16 e 22 de fevereiro, a produtora e roteirista Thaís Vidal, enviada pelo CCBA-Recife à Berlinale, participou do European Film Market (mercado cinematográfico europeu) e entendendo a importância e a necessidade de espaços como esses para impulsionar a indústria de cinema de Pernambuco, ela fez uma lista de dicas para quem tiver interesse em participar do EFM.

Os ambientes de mercado são espaços fundamentais para a internacionalização de projetos e empresas e é fundamental estar preparade para encarar os desafios dos espaços. Acreditando na importância para todes produtores de Pernambuco, aqui vão as dicas:

Primeiro de tudo, o EFM é um ambiente de negócios, onde as pessoas estão focadas em compra e venda, onde há muitas empresas, instituições e pessoas de distintos portes econômicos dentro do setor que estão interessadas em fazer negócios, portanto é preciso entender como se preparar.

Entender quem são os interlocutores, o que queremos vender ou comprar e qual é nosso patamar de execução econômica nos faz entender bem em que espaços queremos nos apresentar e logo poderemos preparar nossa agenda.

Dica principal: pesquisar o catálogo do Mercado, filmes nas sessões da Berlinale e suas produtoras e verificar se há conexões reais com os seus projetos. Depois disso, entre em contato com todas as pessoas e monte sua agenda antes de chegar em Berlim.

Atenção! Isso não significa fechar-se para coisas que podem acontecer no ambiente.  O EFM é um espaço muito grande, que reúne centenas de stands de países, produtoras, agentes de vendas e instituições em geral. Então, lá você pode encontrar novas possibilidades, mas é preciso manter o foco inicial a partir de sua pesquisa sobre pessoas com quem você vai se reunir.

Outra coisa importante é: se puder, chegue ao menos um dia antes do início das atividades, para se ambientar, entender os deslocamentos e, se possível, comprar um chip local, isso vai te facilitar nos deslocamentos e no acesso a e-mail e ao whatsapp para possíveis mudanças na agenda com seus interlocutores.

A dica final é: calma! os ambientes de mercado são enormes, mas cada reunião será um “start” e você vai começar relações que podem gerar frutos futuros para os seus projetos. Você pode sair com negócios mais encaminhados, outros completamente abertos, mas a rede de negócios é fundamental e ela vai crescendo a cada participação num ambiente como esse!

Filmes Brasileiros na 73ª Berlinale

Por Thaís Vidal

A 73ª Berlinale, que acontece na cidade de Berlim entre 16 e 26 de fevereiro de 2023, recebeu bonitos e importantes filmes brasileiros em sua programação. Apesar da grandeza dos filmes e dos esforços de seus e suas  realizadoras, realizadores, produtores, equipes e elencos, que vieram participar do festival, a discreta participação de filmes brasileiros reflete os últimos anos de destruição das políticas públicas no país e por conseguinte dos fundos para o cinema, o que desestruturou o mercado ainda mais diante da pandemia. 

A Berlinale tem um caráter bastante político e os filmes brasileiros exibidos aqui este ano acabam por refletir posicionamentos e temáticas relevantes para o cenário político nacional, a partir de formatos e perspectivas distintas, com beleza, drama, humor. 

Os filmes exibidos:

A Rainha Diaba, dirigido por Antônio Carlos da Fontoura, em 1974, cópia restaurado com apoio do Janela de Cinema, Festival do Recife, teve sua primeira exibição fora do Brasil, e Berlim.

O estranho, longa dirigido por Flora Dias e Juruna Mallon, de São Paulo, em première mundial, traz os temas da ancestralidade, dos territórios.

Infantaria, curta dirigido por Laís, de Maceió, em première mundial, traz a temática da infância, do crescimento de uma menina e a relação com a menstruação, entrelaçada ao tema importantíssimo do aborto.

As Miçangas, dirigido por Emanuel Lavor e Rafaela Camelo, de Brasília, em première mundial, traz também o tema do aborto.

Ainda hoje, terá sessão do filme pernambucano Propriedade, dirigido por Daniel Bandeira.

Conexão Recife – Berlinale 2023

CCBA marca presença no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale)

Por Marina Mahmood

Hoje inicia a 73º edição de um dos festivais audiovisuais mais importantes do mundo: Entre os dias 16 e 26 de fevereiro, na cidade de Berlim (Alemanha), acontece o Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale).

O festival alemão foi criado em 1978 e, desde então, ocorre anualmente no mês de fevereiro trazendo produções audiovisuais de destaque global. Os filmes exibidos durante o evento concorrem a diversos prêmios, como o Urso de Ouro (Goldener Bär) e o Urso de Prata (Silberner Bär).

A novidade este ano é que o CCBA está enviando a produtora de cinema e sua ex-aluna, Thaís Vidal, para representar o centro no festival. Em Dezembro de 2022, durante debate no Kulturforum no CCBA, Thaís levantou a importância de firmar parcerias internacionais para ampliar o mercado artístico local em Recife (PE) e no Brasil, expandindo formas de captação de recursos pela realização de cooperações e coproduções internacionais.

>> Confira a matéria sobre o Kulturforum na íntegra: http://www.ccba.org.br/kulturforum-promove-debate-sobre-cooperacao-cultural-e-politicas-publicas-na-arte/

Com a ida à Berlim, a ideia é que Thaís consiga sondar possibilidades de cooperações internacionais no campo audiovisual entre Brasil e Alemanha. A viagem seria um pontapé inicial para abrir canais de comunicação entre os festivais de cinema alemães e a produção cinematográfica recifense, firmando possíveis parcerias, como por exemplo, o intercâmbio de filmes e de realizadores audiovisuais da Alemanha para o Brasil.

Além de Thaís Vidal, o CCBA apoiou a ida de Lorenna Rocha (pesquisadora, crítica cultural e curadora) à Berlinale. Este ano, Lorenna foi selecionada para o Berlinale Talents – programa de desenvolvimento de talentos do Festival Internacional de Cinema de Berlim (https://www.berlinale-talents.de ).

Dentro do programa, a pesquisadora vai participar de uma formação de crítica cinematográfica junto com pessoas de todo o mundo. A ideia da formação é que os participantes desenvolvam a escrita através das aulas e que realizem uma cobertura crítica do festival publicando textos no site: https://www.talentpress.org/

Recentemente, um dos festivais que Lorenna participou enquanto curadora foi o Janela Internacional de Cinema do Recife. Com o apoio oferecido à Lorenna, o CCBA espera contribuir também com a curadoria da programação do Janela Internacional deste ano (2023).

Confira o site da Berlinale: https://www.berlinale.de/en/home.html

Saiba Mais: https://www.goethe.de/prj/hum/pt/deu/ber/24523813.html

BIOGRAFIA

Thaís Vidal

Thaís Vidal (Recife, 1990) é roteirista, produtora e diretora, Mestre em Roteiro audiovisual (2021) pela Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, Cuba. Graduada em Jornalismo (2012) pela UFPE e também Mestre em Planejamento Urbano (2017), cursa atualmente Doutorado em Cinema (2020-2024) pela mesma instituição. Em 2014, lançou seu primeiro curta como roteirista e diretora, o documentário Fora da Ordem. Em 2015, fundou a Ponte Produtoras, empresa focada na produção de longas e curtas-metragens de ficção e documentário de jovens realizadoras e realizadores. Produziu filmes exibidos em grandes festivais como Semana da Crítica de Cannes, Locarno Film Festival, La Havana, Festival de Brasília, Festival do Rio, dentre muitos outros, alguns lançados comercialmente. Seu primeiro roteiro de longa, Sensor de Ausência, está em desenvolvimento, na fase de captação de recursos e conta com coprodução da Vitrine Filmes, tendo sido escrito no mestrado em Cuba e assessorado por grandes nomes da EICTV. Thaís faz parte da Rede Paradiso de Talentos. Em 2022, realizou curadoria para o concurso FRAPA de roteiros de longa e colaborou na escrita do roteiro do próximo longa do diretor Marcelo Lordello.

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https://www.instagram.com/vidal.a.thais/

Lorenna Rocha

Historiadora (UFPE), pesquisadora, crítica cultural e programadora. Co-fundadora da INDETERMINAÇÕES https://indeterminacoes.com/ – plataforma de crítica e cinema negro brasileiro (PE/MG). Editora-chefe da camarescura – estudos de cinema e audiovisual (PE). Integrou a curadoria da edição especial do Janela Internacional de Cinema do Recife (2022) e das duas últimas edições do FestCurtas BH (2021, 2022). Desde 2019, ministra cursos e oficinas acerca dos cinemas e teatros negros brasileiros e da crítica.

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