Por Thaís Vidal
A Berlinale é historicamente um festival bastante político e os filmes exibidos apresentam, se não posicionamentos diretos, reflexões políticas importantes. Um aspecto bastante destacado nessa edição foi a posição contrária à guerra na Ucrânia. Além de todos os profissionais de produção usarem um bótom com o urso de outro, símbolo maior do Festival e da cidade de Berlim, com as cores amarela azul, houve falas e pronunciamentos em oposição à situação em algumas sessões do Festival.
Entre os dias 16 e 26 de fevereiro, centenas de sessões em cinemas espalhados por toda a cidade e maravilhosamente ocupadas por cidadãos berlinenses, além dos diversos profissionais que lotam a cidade no período do Festival. Ao público alemão, me parece, interessa-lhes fortemente o que outros países, dos mais diversos, estão produzindo no cinema e isso é fascinante.
Muitos dos filmes exibidos, sobretudo nas sessões de Curtas, Fórum e Panorama, trouxeram mulheres diretoras, o que nos destaca uma força de transformação no cenário internacional. Dos filmes brasileiros, metade foram dirigidos ou co-dirigidos por mulheres, destacando Infantaria, curta premiado pela Mostra Generation, dirigido pela alagoana Laís Santos Araújo.
Destaco também, dentro da programação, um ponto de congruência que observei na produção: filmes voltados à construção de protagonistas femininas consistentes e seus conflitos. São histórias diversas mas que refletem sentimentos, angústias, vidas e problemas do universo das mulheres, meninas em suas diversas gerações e identidades em formação. Alguns deles foram o português Cidade Habat, de Susana Nobre, o espanhol Mátria, de Álvaro Gago. O longa português Mal Viver, de João Canijo. Os curtas brasileiros Miçangas e Infantaria.
Ainda nesse universo feminista, destaco, trazendo outros pontos relevantes, os filmes 20.000 espécies de abelhas, espanhol, de Estibaliz Urresola Solaguren, que acabou por garantir a Sofía Otero o prêmio de melhor atriz trazendo uma espécie de coming of age de une menine transgênero no recorte de sua infância. E o filme And me, I’m dancing too, do iraniano Mohammad Valizadegan, que traz uma protagonista com o único desejo de poder dançar em um país onde as mulheres são impedidas de fazê-lo.
Ainda observando filmes como atos políticos posicionados, como o citado curta iraniano, no qual, ao colocar a própria atriz dançando na rua, os realizadores demarcam uma denúncia concreta e bastante arriscada contra seu estado, cito o documentário Llamadas desde Moscú, do cubano Luís Alejandro Yero, que apresenta imigrantes cubanos gays vivendo na Rússia aos primeiros sinais da guerra contra a Ucrânia e a relação opressora do espaço e da falta de identidade que enfrentam por terem saído de Cuba, pelas necessidades de fugir de seu país, em crise.
Por fim, um outro documentário que conecta a força de uma personagem feminina dentro de um contexto passível de questões quanto à figura da mulher como cuidadora, o documentário La memoria eterna, de Maite Alberdi, documentário chileno emocionante que acompanha a importante atriz chilena Paulina Urrutia e seu marido o jornalista Augusto Góngora, a quem ela cuida já idoso e com Alzheimer.
O filme constrói a partir da ausência de memória dele, a própria memória do homem que ele foi, um jornalista que serviu a seu país como comunicador e crítico à ditadura de Pinochet e que escreveu e refletiu sobre memória, conflitos e justiça. Apesar de acompanharmos a memória dele ser construída através dela num ato de completo amor e cuidado, é inegável a força da personagem da vida real que decide cuidar.
Esses são alguns destaques a partir de um pequeno recorte da programação mas que me possibilitaram inferir sobre um certo olhar, um panorama das sessões e seus aspectos.
A Berlinale é um grande festival e espero em breve voltar pra lá!