por Lorenna Rocha
Exibido no ‘Forum Special’, A Rainha Diaba recebe novos olhares após ser escaneado em 4K.
“Acho que esta é a última festa que faço aqui”, diz Diaba, usando sua coroa e vários colares, com uma sombra verde que realça a tristeza em seu olhar. No entanto, o que ela não imaginava, nem provavelmente o diretor Antonio Carlos da Fontoura, é que 50 anos após seu lançamento, A Rainha Diaba (1973) estaria festejando pelo mundo, com uma nova cópia escaneada e a vitalidade típica de um filme anárquico, cativando público contemporâneo com sua estética kitsch, sua performatividade excessiva, cômica e brilhante, além de seu impressionante banho de sangue digno de uma história cheia de truques e traições.
De dentro de seu quarto, Diaba (Milton Gonçalves) dirige um negócio de tráfico de maconha na periferia do Rio de Janeiro. Sua primeira aparição é regida pelo suspense. Um grupo de homens está esperando para visitá-la até que possam entrar onde a Rainha está. A câmera atravessa o salão da casa de Diaba, onde podemos ver os rostos de todos os seus convidados, mas ainda não podemos vê-la. A expectativa deles é também a dos espectadores. Finalmente, um corpo preto aparece na tela, raspando sua perna com um canivete. É com essa primeira imagem que A Rainha Diaba constrói sua personagem principal, uma mistura entre violência, feminilidade e mistério.
Em A Rainha Diaba, há dois momentos intrigantes de coletividade, que são conduzidos por Milton Gonçalves: o primeiro, quando as ‘discípulas da Diaba’, durante a festa em que ela aparece triste, se colocam ao lado da Rainha para descobrir quem estaria “atrapalhando seu coreto”; Já a segunda é durante a cena de tortura de Isa (Odete Lara), uma personagem que é arrastada por um grupo de pessoas não-binárias e travestis para um salão de beleza e acaba traindo seu amante, Bereco (Stephan Necessian), que está mexendo na maconha da Diaba depois dela ter sido enganada por Robertinho (Edgar Rugel Aranha), um ex-sócio de confiança da Rainha, que quer tomar o lugar da Diaba no tráfico.
O corpo de Milton Gonçalves é uma presença insubmissa e inescapável, que usa a violência para romper os imaginários convencionais de criminalidade associados ao corpo negro. Além disso, a performatividade do corpo da personagem Diaba provoca, ainda, uma quebra na idéia de criminalidade exclusivamente dominada pelos homens. O corpo negro ganha ambivalência em sua dissidência de gênero, seu excesso performativo e a extensão de seu corpo, que se dá através da coletividade que envolve essa figura.
Mesmo que nem sempre seja vista por nós, objetos de cena, roupas e cores brilhantes se espalham pelo filme, fazendo de Diaba uma presença onipresente. O roxo, laranja ou vermelho dos trajes de seus parceiros de crime irradiam tanta vitalidade quanto a energia emanada pela Rainha. Todos os envolvidos nesta história a mencionam, seja por adoração ou com a intenção de ocupar seu lugar no trono. Esta figura onipresente nos convida a senti-la sem necessariamente vê-la.
Observações: este texto foi escrito e publicado em inglês, no blog Talent Press. Para conferir, clique neste link: https://www.talentpress.org/bt/talentpress/v/diaba-a-mysterious-apparition
O filme “A Rainha Diaba” está disponível para visualização na íntegra no Youtube.