Um grande sol queimando em looping está projetado no alto, sobre a entrada da área de exposição do Silent Green Kulturquartier, um antigo crematório ao lado de um cemitério no bairro de Wedding, hoje um centro cultural ocupado anualmente pela Berlinale. O filme é The sun, de Kika Thorne (2020), parte da exposição Part of the Problem (ou Parte do Problema), da Forum Expanded, seção do festival que situa o cinema na fronteira com as artes visuais. A sensação de um grande problema geral em curso, queimando sobre as cabeças e que a todos diria respeito, veio dando tom à programação e aos discursos nesta 70ª Berlinale, que busca renovação com a mudança de chefia na maior parte das seções, o que tem sido reiterado artística e diplomaticamente.
Abertura da exposição, quarta-feira 20, um dia antes da sessão de abertura: Marriete Rissenbeek e Carlo Chatrian, novos diretores do festival, incorporam à sua fala o desagravo ao ponto de vista europeu; notam, seria preciso reconhecer as diferenças, as reformas identitárias, os processos coloniais. Uma das coisas mais bonitas nessa lista de obras, que valoriza das inclinações políticas da performance contemporânea às do cinema-ensaio, em longos corredores onde um dia eram depositadas urnas com corpos cremados, é o filme Memory Also Die (ou “A memória também morre”, 2020) de Didi Cheeka, uma breve visita a arquivos que traçam a produção colonial de esquecimento na Nigéria. “Infelizmente, ainda temos mais França que Nigéria aqui, mas um dia isso vai mudar”, diz o diretor do festival.