Texto: Marina Mahmood
O evento reuniu no CCBA representantes de ONGs nordestinas, a ONG alemã Brasilieninitiative Freiburg e a jornalista alemã Christine Wollowski a fim de conhecer e discutir alternativas para o semiárido nordestino
Trazendo como tema “Nordeste – Clima, Biodiversidade e Soberania Alimentar”, o Centro Cultural Brasil Alemanha (CCBA Recife) realizou no dia 11 de fevereiro de 2025 um encontro que reuniu 15 representantes de ONGs nordestinas e parceiros do centro para debater a temática. Além do diretor do CCBA, Christoph Ostendorf, estiveram presentes na reunião os representantes das ONGs: CESAM (Centro de Saúde Alternativa da Muribeca), ASA (Articulação do Semiárido Brasileiro), ONG CAATINGA, COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT), OVA UFPE (Observatório da Vida Agreste), Brasilieninitiative Freiburg, Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPA), CARITAS Pesqueira e a jornalista alemã Christine Wollowski.
As falas iniciaram com uma breve apresentação dos participantes, em seguida, Christoph Ostendorf abordou sobre os cenários políticos na Alemanha e como eles impactam o Brasil e o mundo. Adiante, Günther Schultz (diretor da ONG Brasilieninitiative Freiburg) apresentou as iniciativas da ONG, que tem 40 anos de atuação, realizando um trabalho de comunicação na Alemanha. A Brasilieninitiative Freiburg visa trazer informações (matérias jornalísticas) sobre grupos da sociedade civil brasileira, engajados nas diversas lutas sociais, culturais e políticas. A organização também atua com ações que beneficiam esses grupos, através do firmamento de parcerias e de projetos com instituições brasileiras, como o próprio Centro Cultural Brasil Alemanha (CCBA-Recife). (Site da ONG Brasilieninitiative Freiburg: https://www.brasilieninitiative.de/)
Em seguida, Christine Wollowski assumiu a fala, contando um pouco de sua experiência enquanto jornalista alemã, vivendo no Brasil desde o ano 2000. Atuando como jornalista independente, Christine iniciou a carreira produzindo matérias de turismo ecológico e social e de educação e ensino para os mais renomados jornais alemães. Ela conta que, na época em que iniciou a carreira, muitos alemães não tinham muito conhecimento sobre o Brasil.
À medida que o tempo foi passando, Christine começou a deparar-se com a desigualdade social e com o racismo estrutural no Brasil e tomou a decisão de abordar com mais frequência as questões sociais em suas matérias. E, assim, gradualmente, seu trabalho foi se direcionando, cada vez mais, para dar voz a pessoas e grupos que são “invisibilizados” no Brasil e sobre os quais muitos alemães não têm conhecimento ou não dão muita importância. A jornalista conta que, recorrentemente, os grandes jornais e revistas preferem comprar matérias sobre assuntos já conhecidos do grande público do que investir em textos que tragam novas abordagens e temáticas que ainda não são difundidas na Alemanha. Ela deu o exemplo da questão indígena e da questão quilombola: segundo Christine, a questão indígena recebe mais atenção da mídia alemã do que a questão quilombola porque a primeira já é conhecida e a segunda não.
O DEBATE
Após a fala de Cristine, o debate foi aberto ao grande grupo. O foco das falas foi direcionado para os impactos que a geração de energias renováveis têm trazido para os territórios onde esses empreendimentos são construídos. Como, por exemplo, no semiárido nordestino, onde há investimentos enormes de grandes empresas na geração de energias renováveis, sobretudo na geração de energia eólica e solar.
Segundo o representante do Centro Sabiá, a população que mora no campo tem diminuído com o tempo, hoje restam 15 por cento da população no campo. Essa evasão é de grande interesse para as grandes empresas, considerando que quando o território está “esvaziado” elas podem ficar “livres” para ocupar esses espaços e explorá-los da forma que quiserem. “É preciso gerar renda no campo, repensar o imaginário do rural”, ele diz. E complementou sobre a importância da criação de legislação para o bom funcionamento desses empreendimentos. Segundo ele, “É preciso separar a energia renovável do formato que está sendo implantado. O modelo que o Brasil atende é um modelo de grandes empresas e o país não conta com uma estrutura legal que ajude a fazer funcionar de uma forma ética”.
Segundo outro participante, esse cenário é preocupante porque boa parte da alimentação brasileira é produzida no semiárido. À medida que a população do campo migra para as grandes cidades e os grandes empreendimentos em energias renováveis ocupam essas regiões em larga escala, isso afeta a segurança alimentar do Brasil. Segundo ele, o governo brasileiro precisa enxergar o semiárido como um lugar de oportunidades e de fartura. “A gente está num lugar muito na periferia nessa interlocução com o governo, precisamos ser mais ouvidos”, complementa. Ele fala também que essas questões podem piorar bastante com o crescimento da extrema-direita no mundo e no Brasil e que as eleições brasileiras do ano de 2026 serão decisivas para o bem caminhar ou não das soluções para esses desafios.
Segundo a advogada da COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT), “existe um apelo global pela transição energética, mas o peso dessa transição energética está sendo colocado nas costas de comunidades camponesas que não têm nada a ver com isso… As pessoas estão morrendo aos pouquinhos… E muitas não aguentam permanecer nos próprios territórios devido aos impactos sofridos pelos empreendimentos, então vão embora. É uma remoção forçada”.
Ela fala que as empresas responsáveis pelos parques eólicos, a princípio, não informam que as comunidades vão ser retiradas dali, as famílias são enganadas e assinam contratos. E, com o empreendimento funcionando no território, surgem uma série de problemas de saúde. “As pessoas não conseguem dormir, com isso vêm vários tipos de problemas como ansiedade e depressão”, sobre o barulho causado pelas turbinas eólicas, ela completa que “para além do que é audível, tem o ruído não audível que também causa problemas sérios de saúde. A saúde dos animais é afetada também, as fêmeas quando ficam grávidas, muitas vezes os filhotes já nascem mortos”. Segundo a advogada, a CPT atualmente está analisando dois complexos eólicos, um único complexo equivale a 4 mil hectares. E as torres estão instaladas a 150 metros das casas dos moradores da região. Mas que não existe regulamentação governamental sobre esse limite.
Segundo o representante da ONG CARITAS-Pesqueira, os parques solares que estão sendo construídos no Nordeste são, em sua maioria, de empresas multinacionais e estão devastando o bioma. Além do desmatamento, há a contaminação dos lençóis freáticos pelo uso de agrotóxico no solo, que muitos usam para não crescer vegetação embaixo das placas. Segundo ele, as linhas de distribuição dessa energia solar estão sobrecarregadas pela quantidade de energia solar gerada, o que pode resultar em grandes apagões.
Durante o debate, falou-se também sobre o pouco engajamento da atual juventude nas lutas sociais e da própria juventude que vive no campo. Segundo o grupo, o crescimento da internet e da tecnologia também impactaram negativamente na juventude contemporânea. “No Brasil, o mundo do trabalho mudou, não tem mão de obra. Para os cursos de formação, as pessoas vão praticamente obrigadas. Perdemos referências de escritos, de livros…”, diz um participante.
O representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) complementa que há uma inércia geral hoje em dia, pois muito menos pessoas se engajam politicamente do que no passado. Segundo ele, a forma como a internet e as redes sociais têm sido utilizadas pela população é, por um lado, bastante danosa. Ele comenta que, atualmente, existem até “influencers” que são garimpeiros ilegais e que utilizam as redes sociais para ensinar a como produzir mercúrio ilegal e a como fugir da fiscalização. Ele critica também como estão sendo escolhidos os nossos representantes políticos hoje em dia, muitas pessoas são captadas por esses “influencers”. Deu o exemplo de cantores sertanejos entrando para disputa política, etc.
Ao longo do debate, constatou-se a necessidade de criação de políticas públicas, por parte do governo brasileiro, para a questão das energias renováveis, que tragam projetos mais participativos e descentralizados, baseados em princípios de justiça climática. O CCBA compreende a importância desse debate e, há cerca de 5 anos, desenvolve um projeto agrofotovoltaico na cidade de Itacuruba–PE, com apoio da ONG alemã atmosfair e em parceria com o povo indígena Pankará. O sistema agrofotovoltaico possibilita a geração de energia solar, o cultivo de alimentos e a captação da água de chuvas numa cisterna. A ideia é não impactar diretamente o solo e a vegetação da Caatinga, favorecendo ainda o cultivo de alimentos na mesma área nas quais as placas solares estão instaladas.
Foto – Sistema Aqrogotovoltaiso Itacuruba com o técnico responsável da comunidade Gildo Novaes
“Para tanto, as placas fotovoltaicas são instaladas com uma altura de 3 metros acima da base do terreno, diferentemente daquelas comumente instaladas sobre o solo descampado. Além disso, o equipamento com cerca de 200 m² das suas placas capta através das calhas o mesmo volume de água como uma cisterna calçadão. O objetivo central do parque experimental para tecnologias socioambientais consiste em conciliar geração de energia limpa, proteção da biodiversidade, recuperação do solo e a produção de alimentos orgânicos.”
Trecho retirado da matéria: https://www.agrega.org.br/2023/06/06/projeto-agrofotovoltaico-em-itacuruba-pe-ganha-destaque-em-rede-de-jornalismo-sustentavel/
Saiba mais: Projeto agrofotovoltaico em Itacuruba-PE ganha destaque em rede de jornalismo sustentável
LINKS ONGs parceiras presentes no encontro: