Foram muitos os exemplos sobre como o desejo de trabalhar com a economia solidária pode sair do papel e se tornar empreendimentos concretos durante os dias do Solikon, evento que aconteceu em Berlim em setembro. Em comum, os relatos sobre as dificuldades e os desafios de manter os projetos vivos financeiramente levaram a todos os que acompanharam as mesas redondas e workshops aos mesmos questionamentos recorrentes: é possível pensar em outra economia? Dá para ampliar esse movimento e torná-lo algo maior?

 

A economia solidária (ES) ainda é um campo em que predominam iniciativas pessoais. São raros os casos como o do Brasil, em que existe um certo suporte do governo. Hoje, cerca de 25 mil pessoas ganham seu sustento a partir de empresas de ES, que é responsável por 3% do Produto Interno Bruto no país, como informa Paul Singer, secretário nacional de economia solidária.

 

É interessante pensar que esse panorama é exatamente o oposto do alemão. Enquanto no Brasil a ES é uma opção à pobreza, e a maioria de seus beneficiários estão na zona rural, os empreendedores alemães apresentam um alto grau de instrução e são movidos pelo desejo de um modelo alternativo de vida. O apoio governamental não é forte. “Esse padrão vem das tradições da contra-cultura e dos anos 1960. Muitas dessas pessoas buscam um outro modelo de vida, mas sem necessariamente ter uma agenda política, tanto que algumas cooperativas acabam se tornando empresas tradicionais”, comenta o pesquisador e filósofo Bastian Ronge, que estará presente na Semana de Economia Social, Solidária e Sustentável que será realizada pelo CCBA em outubro.

No sul da Europa, a crise empurrou algumas pessoas para esse nicho, o que não deixa de ser uma alternativa às dificuldades que assolam estados como Portugal, Espanha e Grécia. As iniciativas, no entando, ainda não se mostram como uma alternativa sólida. Diante do panorama tão distinto, a pergunta de como a ES pode ser desenvolver e se tornar uma alternativa viável ao capitalismo ainda segue sem uma resposta. Sven Gigold, membro do parlamento europeu pelo Grünen Partei (Partido Verde), ressalta que a crise está forçando o mundo a procurar novos modelos econômicos, mas o tema não está presente na agenda de nenhum partido político na Alemanha ou na Europa . “A pobreza cresceu, e a Alemanha está falhando em manter a si mesma e à Europa consolidadas.Temos bons projetos na ES, mas a maioria dos políticos não se importa em mudar o sistema”.

 

A criação de redes parece ser uma das alternativas que teria algum impacto dentro desse mercado, como sugere Georgia Bekidraki, representante da instituição Solidarity4all, da Grécia. “Queremos envolver pessoas nesse modelo. A pergunta é como praticar a solidariedade também entre os países, como fazer a ligação entre grupos, como criar mercados sociais? Precisamos de mais pessoas dividindo a mesma experiência. Não temos que esperar pelo governo. O euro está em crise e podemos usar a crise para reconstruir a Europa de uma forma mais justa. Temos o exemplo de uma caravana que leva produtos da Grécia para a Belgica. É uma forma de ajudar os empreendedores, facilitar o encontro dos consumidores com esses produtos”.

 

Recife – Sobre a discussão da qual participará no CCBA, no Recife, o filósofo Bastian pretende enfocar alguns questionamentos sobre qual a dimensão do fenômeno da economia solidária para a filosofia e quais as suas perspectivas. “Vimos no Solikon várias pessoas que estão trabalhando dentro desse modelo. Como analisar o que elas estão tentando fazer praticamente? Como a solidariedade pode sobreviver como parte de um modelo econômico? É tarefa da filosofia interpretar esse fenômeno”.

 

Outro ponto que ele  pretende explorar é como a ES pode estabelecer uma outra via – já que isso também significa desconstruir nichos e paradigmas. “Como consolidá-la em uma sociedade capitalista? Como viver em cooperativas e, dentro delas, definir o que me pertence e o que te pertence quando nossos modelos de vida são estruturados pelo capitalismo? Por outro lado, seria um erro dizer que não podemos mudar o conforto da nossa vida porque exatamente o que o capitalismo faz é mudar esse padrão de conforto constantemente para criar novas necessidades e vender mais produtos. Por exemplo, hoje temos o Airbnb, que nos possibilita dormir na casa de estranhos quando viajamos, o que era impensável há dez anos. A ideia de um café para viagem faria minha avó ficar chocada. Ou seja, esses conceitos sofreram modificações para gerar lucro. Há casos de transformações que seguem no movimento contrário, como o mercado de troca de roupas e móveis. É possível mudar, mas essa não é uma tarefa fácil”.

Foto: Júlia Veras

Foto: Júlia Veras