Peter Schröder comenta desafios da antropologia no Brasil

O professor Peter Schröder, curador da exposição Curt Nimuedanjú – Reconhecimentos, explica que no Brasil não existem tantos museus etnológicos quanto na Alemanha. No país latino, afirma, há numerosos museus menores em estrutura que possuem coleções etnográficas.

“Os principais desafios atuais para a antropologia, por isso, dizem respeito a uma prática profissional consolidada, sobretudo, em instituições do ensino superior, mas também em outros campos profissionais (órgãos governamentais, diversos ministérios, ONG’s, etc.). Embora a antropologia seja no Brasil uma área com muito mais< profissionais e visibilidade do que na Alemanha, ela atualmente se encontra numa situação incômoda”, avalia Peter Schröder.

Ele avalia que o período de grande expansão institucional da antropologia, que ocorreu de 2002 a 2016, “agora parece ser passado”. “No cenário atual, a antropologia representa algo incômodo, porque ela trabalha, mais do que qualquer outra área científica, com a diversidade cultural e social das sociedades humanas. Hoje em dia, cada vez mais pessoas desejam ter respostas fáceis para assuntos complexos, e neste contexto a antropologia pode irritar, porque contesta, ora abertamente, ora indiretamente, as certezas declaradas sobre como o mundo deve ser para todas as pessoas”.

Conhecimento

“Enquanto nos tempos da ditadura militar os conhecimentos produzidos pela sociologia representavam algo incômodo para os donos do poder, hoje em dia o papel dessa pedra no sapato é desempenhado, antes de mais nada, pela antropologia. O que explica, por sua vez, os numerosos ataques raivosos, seja na virtualidade, seja no mundo real, contra aquilo que os antropólogos sabem e defendem, sobretudo em assuntos como a diversidade étnica (indígenas, quilombolas, etc.) ou social (LGBTQ+, por exemplo). Os antropólogos sabem ensinar coisas pouco ortodoxas e pouco normatizadas, mostrando, com base em suas pesquisas de campo, que o mundo é diferente das declarações genéricas e dos pressupostos simplórios”, ressalta.

Trajetória do antropólogo Curt Nimuendajú inspira exposição do CCBA

Foto: Acervo do Museu do Estado de Pernambuco

O jovem Curt Unckel (1883-1945) migrou da Alemanha para o Brasil aos 20 anos e, não muito tempo depois de chegar ao País, decidiu viver entre os Apapocuva-Guarani na região do Rio Batalha (SP). Durante um ritual naquela aldeia, recebeu o nome que passou a utilizar na trajetória de pesquisador que iniciava de maneira autodidata: Nimuendajú – “aquele que veio a sentar (entre nós)”. Essas e outras passagens da vida do antropólogo são contadas na exposição Curt Nimuendajú – Reconhecimentos, que será inaugurada na quinta-feira (28/3), às 19h30, no Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA). O evento é aberto ao público, com entrada gratuita.

Na sexta-feira (29/3), representantes de povos indígenas de Pernambuco se reúnem para trocar experiências em uma oficina na sede do CCBA. Esse é o único evento fechado na programação da mostra. No sábado (30/3), às 18h30, o espaço cultural sedia a mostra audiovisual Povos Indígenas no Cinema: filmes & debate.

“Mais de quatro décadas dedicadas à etnologia indígena, com pelo menos 34 pesquisas de campo majoritariamente pioneiras sobre mais de 50 etnias e um grande número de publicações, renderam a Curt Nimuendajú, ainda em vida, o reconhecimento como uma das maiores autoridades da Etnologia dos povos indígenas no Brasil na primeira metade do século 20”, afirma o professor Peter Schröder, curador da mostra e docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Na noite de abertura da exposição, Peter Schröder lança o livro Os Índios Xipaya – cultura e língua (Editora Curt Nimuendajú). Para a obra, ele traduziu cinco textos de Curt Nimuendajú que foram originalmente publicados no periódico Anthropos, de 1919 a 1929. “É a primeira vez que o conjunto desses artigos é apresentado em língua portuguesa numa edição crítica, junto com uma introdução que contextualiza a história e o estilo dos textos. Trata-se de trabalhos clássicos da antropologia sul-americana, caracterizados pela influência, ainda predominante, da etnologia alemã”, explica Peter Schröder.

Sobre as contribuições de Curt Nimuendajú para a antropologia brasileira, o professor avalia: “Ele é visto como uma figura pioneira para a formação da etnologia indígena. Apesar do fato de que os textos dele hoje em dia exigem uma reavaliação crítica de seus pressupostos teóricos, muitas vezes implícitos, a qualidade de suas etnografias ou de obras como o Mapa Etno-Histórico não é questionada. Pelo contrário, ele continua sendo um autor muito citado. O fato de ele ter sido autodidata mostra como as práticas científicas mudaram”.

Casa onde nasceu Curt Nimuendajú, em Jena, é identificada por uma placa comemorativa. O jovem costumava ler na biblioteca da Volkshaus (“casa do povo”), fundada por Ernst Abbe (à direita). Fotos: Peter Schröder.

Mapa Etno-Histórico

 O Mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes ganhou uma nova edição em 2017, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e será tema de um encontro aberto ao público, na terça-feira (7/5), como parte da programação da mostra Curt Nimuendajú – Reconhecimentos. Um dos originais foi destruído no incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, assim como grande parte do material produzido pelo pesquisador, pois o espólio dele foi adquirido pela instituição e nem tudo havia sido digitalizado. Os demais pertencem aos acervos da Smithsonian Institution (Washington, EUA), do Museu do Estado de Pernambuco e do Museu Paraense Emílio Goeldi.

O mapa elaborado artesanalmente foi inscrito pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Programa Memória do Mundo. Ele é um dos 12 temas selecionados pelo professor Peter Schröder para apresentar o trabalho do antropólogo alemão em uma mostra conectada ao Brasil contemporâneo.

“Em certo sentido, Nimuendajú e seu interesse pela diversidade social e cultural indígena, seus esforços de levantar informações sobre línguas indígenas, mesmo de forma fragmentária, continua atual, sobretudo numa sociedade que ainda tem grandes dificuldades de aceitar diferenças sociais e culturais. E isto torna-se ainda mais evidente no atual cenário político com suas polarizações e manifestações explícitas de intolerâncias e preconceitos”, compara o professor.

Confira os detalhes da programação completa.