Moacir dos Anjos
Por acontecer somente a cada cinco anos, a documenta é talvez a mostra de arte contemporânea mais aguardada por aqueles que acompanham o que se produz nesse meio. As expectativas sobre a sua 14a edição são ainda maiores do que as usuais pelo fato de pela primeira vez ela acontecer de forma dividida territorialmente, entre sua sede em Kassel, Alemanha, e na cidade de Atenas, Grécia. Essa partição implica, evidentemente, uma aposta política dos curadores da mostra (à frente o polonês Adam Szymczyk) em transformar a documenta em plataforma para discutir questões que têm, nesses dois países, polos em conflito a desempenhar papeis em quase tudo antagônicos no mundo atual. Não por acaso que muitos dos trabalhos apresentados versam sobre migrações, dívida, desemprego, refugiados e responsabilidades de países e grupos sociais pela situação de crise por que hoje passa o mundo.
Nesse contexto, a documenta e seus curadores, todos do chamado Norte político do mundo (europeu e branco), apresentou como título de trabalho da mostra a ideia de ter o “Sul como estado de espírito” (South as a state of mind). A intenção expressa seria, portanto, fazer uma exposição sobre as questões que afetam hoje o mundo da perspectiva daqueles que com elas mais sofrem. Estariam dispostos, como também sugeriram em diversos comunicados de imprensa, a “aprender com Atenas”, colocando-se empaticamente no lugar dos politicamente subordinados a países hegemônicos. Inversão que ganha contornos mais definidos quando se consideram os papeis desempenhados, no contexto da economia europeia recente, por Grécia e Alemanha.
No dia 6 de abril foi inaugurada a primeira parte da exposição, em Atenas, contanto com cerca de uma centena e meia de artistas, a maior parte deles da Europa. Em meados de junho, esses mesmos artistas (com uma ou outra pequena variação) apresentarão outros trabalhos em Kassel, completando assim o projeto da exposição. Como qualquer grande projeto expositivo, é difícil formar um juízo apurado de seu conjunto, posto que são muitas as vozes que participam desse esforço de locução simbólica.
Algumas notas podem, contudo, ser feitas de saída, ainda sem adentrar em projetos artísticos específicos: apesar da disposição anunciada de falar através da voz do Sul e sobre as questões que ali são mais urgentes, são poucos os artistas provenientes das porções mais subordinadas do mundo presentes na exposição. Paradoxalmente, ter o Sul como estado de espírito parece ser, aos curadores da mostra, condição suficiente para falar não somente sobre o outro, mas no lugar dele. Não há de ter sido à toa que os primeiros dias de exposição foram marcados por protestos de artistas, curadores e educadores locais acerca do que consideram um projeto curatorial pouco generoso com o ambiente local, usado, de seu ponto de vista, mais como cenário político do que como lugar a ser efetivamente enfrentado.
Esse paradoxo ficou claro àqueles que compareceram, ao fim do dia de inauguração da documenta, à festa promovida pela prefeitura de Atenas para os curadores e convidados da mostra. Dentro de um cercadinho vigiado por guardas, uma das principais praças da cidade abrigava gente bem vestida, comida e bebida típicas da Grécia e uma banda de música que ficaria bem, talvez, em um filme ruim de Woody Allen que viesse a ser filmado em Atenas. Do lado de fora da cerca, algumas faces dos muitos moradores de rua de Atenas olhavam desconfiados para aquilo tudo, sabedores de que aquela festa, como tantas outras, não era mesmo para eles. Viajar até o Sul é complicado mesmo.
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