O mundo árabe sempre teve seu espaço, mas este ano está com presença especial na Berlinale. Como resposta ao grande influxo de refugiados sírios (somente em Berlim são 80 mil) o festival preparou uma campanha de doação, programas de estágio e ingressos com preços reduzidos para dar as boas vindas aos novos imigrantes.
Um dia antes da abertura oficial, um filme libanês foi o escolhido para a abertura da seção Forum Expanded, criada nos anos 1990 para abrigar obras de cinema expandido. Faz parte do Fórum Internacional do Novo Cinema, a parte mais ousada da Berlinale, de acordo com o próprio festival, dedicada a “avant garde, trabalhos experimentais, ensaios, observações de longo prazo, de cunho político e paisagens cinematográficas a ser descobertas”.
Fui para o evento de bicicleta, cruzando fragmentos e trechos do muro de Berlim demarcados no chão, sentindo o frágil equilíbrio, condicionado ao movimento.
Juntos, “Al Marhala Al Rabiaa” (The Fourth Stage), seguido da leitura “When the Ventriloquist Came and Spoke to Me”, pelo próprio diretor Ahmad Ghossein, formam uma só obra, em torno da influência do grupo paramilitar Hezbolah no sul do Líbano.
A partir do encontro de Ahmad com um mágico de sua infância, o filme intercala imagens aéreas com performances artísticas em ambientes devastados pelo conflito com Israel em 2006. O efeito é melancólico, de um humanismo pós-apocalíptico.
Não por acaso o enfrentamento da realidade e seus fantasmas é o tema proposto pelo Forum Expanded 2016. “Enquanto países estão se militarizando mais. Por nosso lado, buscamos a arte como forma de desmilitarização”, disse um dos curadores.
Na volta, cruzando calçadas e ruas adjacentes ao Potsdamer Platz, olhei para aquele ambiente inóspito por excelência, antes por guerras, e hoje por um centro internacional de consumo. Se o velho mágico e seu boneco vivessem ali e não no Líbano, a solidão seria a mesma.
*filme visto no Akademie Der Kunste, Berlin-Tiergarten, em 10/02/2016