Texto: Débora Oliveira
A Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC) contou com mais de 50 representantes de etnias indígenas brasileiras. Na cerimônia de abertura, Paulo Tupiniquim, coordenador da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), falou sobre o assassinato de Paulo Guajajara, morto por madeireiros na Terra Indígena de Arariboia, no Maranhão, e sobre a importância da demarcação de territórios indígenas no Brasil.
Valéria Paye, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), questionou o posicionamento dos que atrelam crescimento econômico à exploração dos recursos naturais de modo desenfreado. Ela também ressaltou a importância de se ouvir os povos indígenas nas tomadas de decisão e construção de estratégias referentes às mudanças do clima.
Foto por Débora Oliveira / CCBA.
No painel “Povos da Floresta e Mudanças Climáticas”, representantes de organizações indígenas e de 35 etnias se reuniram para discutir os impactos climáticos já sofridos pelos povos indígenas, assim como para compartilhar experiências e tecnologias de enfrentamento a essas mudanças. As demandas específicas de cada povo também foram levantadas e discutidas.
As falas também trouxeram críticas às medidas de desenvolvimento que se ancoram meramente no viés capitalista, além de denúncias sobre o estado de sucateamento de órgãos ambientais, a falta de diálogo entre governo e povos indígenas e a necessidade da demarcação de terras.
Durante o painel, o presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, pediu publicamente desculpas aos povos indígenas pelo silenciamento durante o evento de abertura.
Durante a solenidade, representantes dos Estados do Nordeste, empresas e instituições tiveram momento de fala e assinatura de termos de compromisso com o combate as mudanças climáticas. Entretanto, os representantes indígenas, Paulo Tupiniquim e Valéria Paye, só tiveram espaço de fala após o fim da mesa principal e saída dos representantes dos Estados.
Paulo Tupiniquim, que dividia a mesa no momento do pedido de desculpas de Caio Magri, aceitou o pedido mas com “o coração chateado”. Vale destacar que, durante o painel Povos da Floresta e Mudanças Climáticas, todos os representantes de etnias indígenas ali presentes tiveram tempo e espaço de fala para compartilhar vivências, conhecimentos e reivindicações, tornando o encontro ainda mais mais satisfatório e plural.
Itacuruba
Localizado a aproximadamente 470 km do Recife, capital do Estado de Pernambuco, Itacuruba ou “Nova Itacuruba” é um município pertencente à Região de Desenvolvimento do Sertão Itapirica. Ele tem 4.869 habitantes (estimativa IBGE, 2010 para 2018), entre eles povos indígenas e quilombolas.
Em 1988, o povo de Itacuruba sofreu o primeiro grande impacto da “modernidade” em seu município com a implantação da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga (UHE Itaparica). A construção da Usina resultou na inundação de 27,21% da “Velha Itacuruba” e áreas férteis de agricultura. O espaço onde antes os moradores cultivavam alimentos, nas ilhas a margem do rio São Francisco, deu lugar ao Lago de Itaparica.
As mudanças trazidas pela Usina são sentidas até hoje no município, que apresenta uma taxa de suicídio e depressão acima da média nacional e estadual. Em 2007, a média brasileira era de 4,48, por 100 mil habitantes, a pernambucana era de 3,56 e Itacuruba atingia a taxa impressionante de 26,60 suicídios por 100 mil habitantes, dados do Conselho de Medicina (Cremepe). O alto índice foi atribuído a relocação geográfica dos moradores.
Hoje os cidadãos de Itacuruba sofrem com a possível implantação de um novo “empreendimento ambiental”, a implantação de uma usina nuclear. Durante o painel Povos da Floresta e Mudanças Climáticas, Sandriane Lourenço, representante do povo Pankará, trouxe em sua fala na mesa a urgência de se discutir a retomada da discussão sobre a implantação da Central Nuclear do Nordeste, nas margens do rio São Francisco.
Para além do impacto ambiental, os moradores da cidade, povos originários e grupos de ativismo antinuclear ressaltam o temor de se repetir os impactos na saúde física e mental dos moradores que já sofreram com a implantação da usina hidrelétrica na década de 1980.
*O material publicado no hotsite Olhares Jovens sobre a Conferência Brasileira de Mudança do Clima não reflete, necessariamente, a opinião do Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA).